O Presidente Erdogan deixou claro que é ele quem manda

O novo primeiro-ministro, o “delfim” Ahmet Davutoglu, disse que tornar o regime presidencialista é a sua prioridade.

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Recep Erdogan e Abdullah Gül, que terminou o mandato como chefe de Estado Umit Bektas/Reuters

Na Turquia, o Presidente é uma figura sem poder real. Mas mal tomou posse, ontem, como chefe de Estado, Recep Erdogan discursou como se o poder executivo lhe pertencesse. “O caminho da Turquia em direcção à União Europeia, que é um objectivo estratégico, vai continuar com passos mais decisivos”, disse no palácio presidencial, num discurso perante convidados em que definiu as outras prioridades do seu mandato, as reformas e o processo de paz com os curdos.

Reformas, curdos e União Europeia — um processo de integração suspenso devido à viragem islamo-conservadora na política turca — foram os dossiers que ocuparam Erdgogan nos últimos dos 11 anos em que foi primeiro-ministro.

É habitual que os presidentes se refiram aos temas estratégicos dos seus países, mas Erdogan não se limitou a mencioná-los. As suas palavras encerram uma intenção: a de continuar a ser o homem forte da Turquia. E, para isso, fez avançar um projecto de alteração à Constituição para tornar o país num regime presidencialista.

Na quarta-feira, véspera de prestar juramento como Presidente, Erdogan despediu-se dos seus homens num cCongresso do seu partido, o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, islamo-conservador). “Chegou o momento de dizer adeus. Vocês sabem como isto é difícil para mim. Mas continuo em contacto, talvez de forma menos frequente do que antes”. E apresentou ao partido o homem que escolheu para lhe suceder à frente da formação e na chefia do Governo. É Ahmet Davutoglu — que já foi indigitado primeiro-ministro e deverá apresentar hoje a sua equipa ao chefe de Estado —, que é o seu “delfim” e que, dizem os analistas, lhe dá garantia de fidelidade e de aplicação das suas políticas, enquanto não puder traçá-las em nome próprio.

No congresso do AKP, Davutoglu disse a frase que vai defini-lo como primeiro-ministro: “O AKP é um partido onde a lealdade dura até à morte”. “Não haverá qualquer conflito entre o Presidente e o seu primeiro-ministro, vamos construir a ‘nova Turquia’”, acrescentou.

Nessa linha, Davutoglu, de 52 anos e descrito como um muçulmano intransigente, anunciou que o primeiro objectivo — “a prioridade” — do seu Governo será a reforma da Constituição. AEste passo, denunciado pela oposição denunciou este passo como um novo desvio “autoritário” e “islamista” de Erdogan — também contestaram o facto de se ter mantido primeiro-ministro exactamente até ao momento de se tornar Presidente. Mas —, só será possível mudar a Constituição ccom uma vitória esmagadora do AKP nas legislativas de 2015. O partido necessita doe conseguir o apoio de dois terços dos deputados do Parlamento (367 lugares em 550); na actual legislatura tem 313 deputados. “Espero um grande apoio [dos eleitores], vamos ter votos suficientes no Parlamento para mudar a Constituição”, disse o delfim.

No Parlamento, os deputados da oposição boicotaram a cerimónia da tomada de posse de Erdogan, eleito a 10 de Agosto com 52% dos votos e que sucede a Abdullah Gül. Os deputados do Partido Republicano do Povo (sociais-democratas) abandonaram a sala e não ouviram o novo Presidente jurar fidelidade “à Constituição, à supremacia do Estado de Direito, aos princípios e às reformas de Atatürk e aos princípios da República laica”. Um deputado deste partido atirou o regulamento interno do Parlamento em direcção ao presidente do hemiciclo. A bancada do Partido de Acção Nacionalista (extrema-direita) decidiu assistir à cerimónia mas manteve-se quieta, não reagindo ao que se passava nem aplaudindo o novo Presidente.

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