BPN, entre as brumas da memória

"Tenho a memória muito fraquinha", disse Oliveira Costa. Estava lançado o mote para explicar o caso BPN.

O BPN não é apenas um caso de polícia. O BPN não é apenas um caso de falha na supervisão. O BPN não é apenas um caso político. O BPN é um caso de falha de memória colectiva. A começar pelo todo-poderoso Oliveira Costa. Ainda muitos se lembrarão quando o antigo presidente do BPN, no julgamento do caso Homeland que envolvia Duarte Lima, invocou vezes sem conta a falha de memória. "Não me recordo" e "tenho a memória muito fraquinha" foram frases que deixaram os juízes à beira de um ataque de nervos. E os juízes desataram à gargalhada quando Oliveira Costa, a dado momento da inquirição, disse: “Esquecer é comigo”.

Este problema de amnésia no caso BPN é algo contagioso. Ainda alguns também se recordarão (pelo menos os que têm boa memória) quando Francisco Comprido, antigo administrador do BPN, foi à comissão de inquérito e, perante as perguntas insistentes dos deputados, respondia "não me recordo", "não tenho presente", "não lhe posso precisar", "os nomes não me estão a vir à memória".

E esta audição terminou com uma frase de Francisco Comprido que tem tanto de desconcertante como de verdadeira: "Quem faz muitos negócios na vida lembra-se geralmente do que correu mal. Aqueles que são fechados e correm bem, caem-nos no esquecimento".

Quem deverá ter feito com o BPN alguns negócios que correram bem foi Dias Loureiro. Quando, foi à mesma comissão de inquérito ao caso BPN, disse que nem sequer sabia da existência do Excellence Assets Fund – um veículo fundamental para uma compra ruinosa (prejuízo de 38 milhões de dólares) de duas empresas tecnológicas em Porto Rico. Quando confrontado, pelo jornal Expresso, com contratos que tinham a sua assinatura, o ex-ministro e conselheiro de Estado disse: "Não me lembro dos contratos, posso ter assinado, se vocês o dizem, mas não tenho memória”. Dias Loureiro rematou: “Nunca menti na comissão, disse aquilo de que me lembro”.

O caso do BPN foi sendo construído apenas com aquilo que os envolvidos se iam lembrando. E quem passou pelo banco até se esquece de por lá ter passado. Foi o caso de Rui Machete, que escreveu uma carta ao Parlamento garantindo que nunca tinha sido "sócio ou accionista" da SLN (dona do BPN), quando na verdade o foi. Rui Machete que, tal como Franquelim Alves, quando chegou ao Governo omitiu (ou alguém por eles) no currículo a sua passagem pelo universo BPN/SLN.

Isto tudo, já se percebeu, para chegar a Vítor Constâncio, que esta semana chamou os jornalistas em Atenas para dizer que não se recordava de ter sido convocado por Durão Barroso, na altura primeiro-ministro, para falar sobre o caso BPN. “Depois de tantos anos, não recordo qualquer convocação exclusivamente sobre o BPN. Recordo apenas uma conversa geral em que se falou de preocupações com o BPN, mas nada de muito concreto”.

Ninguém pode levar a mal a Constâncio não se recordar de factos que aconteceram há uma década. O que não se percebe é por que é que Constâncio convoca os jornalistas para fazer uma revelação de algo sobre o qual não se lembrava. Não deixa de ser bizarro que a assessoria do BCE tenha enviado aos jornais as citações de Constâncio e as conclusões da comissão de inquérito ao caso BPN de 2009, feitas pela deputada socialista Sónia Sanfona, e não se tenha lembrado de enviar as conclusões da segunda comissão de inquérito, cujo relator foi Duarte Pacheco do PSD, esta bastante mais crítica em relação à actuação do supervisor no caso BPN.

O caso BPN renasceu esta semana quando Durão Barroso, em entrevista ao Expresso, veio dizer que “quando era primeiro-ministro, chamei três vezes Vítor Constâncio a São Bento, para saber se aquilo que se dizia do BPN era verdade”. O que ficámos sem saber é o que é que de tão relevante se dizia na altura do BPN, porque Barroso não o disse. E a terem existido os tais três encontros em São Bento, o que fez ou deixou de fazer o governador do Banco Central, porque Constâncio não o disse.

Durão Barroso tem um bom remédio para a falha de memória. Na mesma entrevista, o entrevistador revela que Barroso regista tudo o que faz e que todos os dias, às 6h30, escreve as suas notas sobre o que se passou na véspera. Não se sabe se o agora presidente da Comissão Europeia ainda terá algum post-it a contar o que se passou nas três reuniões que terá tido com Vítor Constâncio. Mas se os encontros que teve com Constâncio foram assim tão relevantes (a ponto de serem revelados numa entrevista, sem que o entrevistador tenha feito qualquer pergunta sobre o BPN), por que é Barroso não comunicou os factos às duas comissões de inquérito? Provavelmente esqueceu-se. Pelos vistos acontece a todos.

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