Um debate em Lisboa sobre antagonismo e consenso democráticos
Democratas da direita e da esquerda devem pelo menos sentar-se à mesma mesa para conversar.
Na Ucrânia, na data em que escrevo, o espectro de uma intervenção militar russa – pelo menos, e pelo menos para começar, na Crimeia – cresce de hora a hora. As democracias euro-atlânticas não podem deixar de reagir. Mas a sua margem de manobra é estreita, entre o apoio aos democratas ucranianos e o risco de uma escalada global.
A gravidade desta situação tem sido percepcionada pelas democracias ocidentais, e pelos diversos partidos democráticos dentro delas. Conversações bipartidárias têm tido lugar e a urgência de uma resposta comum é largamente partilhada.
Precisamos de uma atitude semelhante de diálogo entre democratas da esquerda e da direita a respeito das dificuldades internas enfrentadas pelas próprias democracias euro-atlânticas, com destaque para as europeias. Quando, na semana passada, citei aqui os sombrios parágrafos finais da Palestra Tocqueville proferida na Universidade Católica pelo Vice-presidente do (norte-americano) National Endowment for Democracy, Marc Plattner, não podia imaginar que o influente semanário The Economist iria ampliar o tema, com dramatismo acrescido, três dias depois.
Com efeito, na edição da passada sexta-feira, The Economist dedica a capa e um ensaio de seis páginas às presentes ameaças à democracia. "What's gone wrong with democravy, and how to revive it" é o título impressivo de um ensaio que tem de ser lido – e que é dificilmente resumível.
Mas o ponto central é bastante claro e é exactamente o mesmo que foi transmitido por Marc Plattner em Lisboa. A democracia foi a ideia política com mais sucesso no século XX. Mas enfrenta sérias ameaças neste início do século XXI. Algumas dessas ameaças são externas – sendo o chamado "modelo chinês" o principal desafio externo para The Economist, tal como para Plattner.
Esta ameaça, todavia, é ainda mais séria porque as democracias enfrentam dificuldades internas que não podem ignorar. A filiação em partidos políticos atingiu mínimos históricos nas democracias maduras. Resultados semelhantes registam-se nos níveis de participação eleitoral. Sondagens recorrentes apontam para quebras significativas na confiança nos políticos e nas instituições representativas. Estes indicadores são acompanhados da subida alarmante das intenções de voto ou/ e de votos efectivos em partidos extremistas, como são exemplos patentes a Grécia e a França, entre outros.
Que fazer para enfrentar estas ameaças? The Economist adianta algumas ideias interessantes que merecem reflexão. Mas nenhuma delas terá qualquer hipótese se os democratas e os partidos democráticos não reconhecerem a gravidade da situação – e se não se sentarem à mesma mesa para começarem a reflectir sobre como enfrentá-la.
Uma notícia positiva pode ser citada a este respeito: a visita a Londres, na quinta-feira passada da chanceler alemã, Angela Merkel. O evento foi rodeado da maior solenidade. Alem das conversações entre Cameron e Merkel, a chanceler alemã foi recebida pela rainha e discursou perante as duas câmaras do Parlamento britânico.
No centro da visita, esteve o diálogo sobre o futuro da União Europeia. Todos sabem que os pontos de vista de David Cameron e Angela Merkel não são coincidentes. Mas, em vez de cada um deles acentuar essas diferenças, ambos procuraram terreno comum para um diálogo razoável entre perspectivas diferentes.
Com as devidas proporções, uma atitude semelhante parece presidir à visita a Lisboa do secretário de estado para assuntos parlamentares do Ministro das Finanças alemão, Steffen Kampeter, patrocinada pela Fundação Konrad Adenauer.
"Antagonismo e consenso nos sistemas políticos alemão e português" será o tema do debate, anunciado para amanhã, na Universidade Católica. A conferência será presidida pelo embaixador de Portugal em Berlim, Luís de Almeida Sampaio. Paulo Mota Pinto (PSD), Luís Amado (PS) e Michael Seufert (CDS) participarão no debate.
É muito encorajador que três oradores portugueses, pertencentes aos três partidos do arco constitucional-pluralista, tenham aceitado sentar-se à mesma mesa para discutir o tema do "antagonismo e consenso". Precisamos seguramente que os democratas encontrem mais áreas de consenso, sem perderem o saudável antagonismo.
Professor universitário, IEP-UCP