O mistério Relvas

Se todos nós sabemos que assim que Miguel Relvas abre a boca e mostra os dentes o PSD perde votos, como se justifica este impulso autofágico de Passos Coelho? Será por causa da máquina "laranja"? Mas se Relvas fosse mesmo o todo-poderoso apparatchik, o homem que domina o aparelho com a ponta do calcanhar, como é que se explica a miserável votação da lista que ele encabeçou para o conselho nacional? Nada disto faz sentido, senhoras e senhores, e a falta de sentido faz-me comichão na zona da democracia. Eu não consigo perceber que tipo de relação tem realmente Pedro Passos Coelho com Miguel Relvas – e não gosto de não perceber.

O rasto que Relvas deixou com a sua passagem pelo Governo não é coisa que se apague nos 10 meses que esteve afastado da política nacional (publicamente, pelo menos), depois de ter sido empurrado porta fora pelo relatório do processo de verificação das equivalências da sua licenciatura, que lhe foi instaurado pelo Ministério da Educação e posteriormente divulgado por Nuno Crato, em Abril do ano passado. Neste aspecto, a seriedade com que o assunto foi então abordado, e a transparência do trabalho da Inspecção-Geral da Educação e Ciência, foram exemplares num país que está habituado a esconder tais casos debaixo do tapete. Basta comparar a forma como foram geridos os casos das licenciaturas de José Sócrates e de Miguel Relvas para verificarmos que nem todos os Governos se equivalem.

A posterior substituição de Relvas por Poiares Maduro foi um ganho indiscutível em termos de postura política e de currículo. O facilitador Relvas partiu para tomar posse como alto-comissário da Casa Olímpica da Língua Portuguesa no Brasil, um daqueles títulos ridículos que servem de penacho aos lobistas profissionais, para continuar a olear relações dentro do seu triângulo favorito – Portugal-Angola-Brasil. Muita saúde e água de coco para ele. E nós por cá fomos passando excelentemente sem a sua pessoa, com um novo ministro que tinha um pouco mais do que parlapiê, e tentando não pensar demasiado no passado em comum de Miguel Relvas com Pedro Passos Coelho e em todas as Tecnoformas desta vida.

E foi assim, com o assunto morto e enterrado, que Pedro Passos Coelho, manifestamente cansado de boas notícias, decidiu recuperar o velho parceiro para o conselho nacional do partido. E com ele regressaram as perguntas. É porque são muito amigos? Mas se Relvas fosse mesmo muito amigo do primeiro-ministro saberia com certeza reconhecer que a sua presença ao seu lado o prejudica politicamente, e seria o primeiro a afastar-se, por amizade. É porque Passos Coelho precisa de Relvas para gerir o próximo ciclo eleitoral? Mas, para isso, não precisava de estar em primeiro lugar na lista do conselho nacional do PSD – Relvas poderia perfeitamente fazer esse trabalho nos bastidores. É porque Passos Coelho, como sugeriu Marcelo Rebelo de Sousa, é muito teimoso? Mas teimosia é não deixar cair, não é ir buscar novamente depois de já ter caído. O casal Relvas-Coelho não casa, nunca casou e, no entanto, insiste em permanecer casado. O mistério adensa-se. E se os mistérios são óptimos em policiais, são péssimos em democracia.

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