Especialistas discutem fim do aborto “universalmente gratuito”

No dia em que o referendo que despenalizou o aborto faz sete anos, Federação Portuguesa pela Vida diz que os impostos não podem continuar a financiar uma interrupção de gravidez por opção da mulher; DGS alega que SNS até poupou com a entrada em vigor da lei.

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Isilda Pegado, da Federação Portuguesa pela Vida, reclama alterações à lei do aborto Pedro Cunha

Sete anos depois da entrada em vigor da lei que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas por opção da mulher, o Estado terá financiado perto de 120 mil abortos – os números oficiais davam conta de 101.456 abortos até 31 de Dezembro de 2012, sendo que os dados de 2013 não são ainda conhecidos. “São quase 120 mil crianças que deixaram de nascer em Portugal e, em virtude disso, muitas escolas estão vazias e muitos professores ficaram sem turmas a quem dar aulas”, sustenta Isilda Pegado.

Por considerar que muitas destas interrupções não se teriam realizado caso as mulheres se sentissem apoiadas na gravidez, Isilda Pegado diz que chegou a altura de alterar a lei. Como? “Criando estruturas de apoio à gravidez, pondo fim ao afastamento dos objectores de consciência do acompanhamento de grávidas no período de reflexão e pondo fim ao subsídio de maternidade de quem interrompe a gravidez”, responde a directora da FPV.

Lançada no ano em que Portugal registou pela primeira vez um saldo natural negativo, a lei 16/2007 foi posteriormente regulamentada para garantir, entre outros aspectos, a possibilidade de licenças de 14 a 30 dias pagas a 100% e a isenção de taxas moderadoras. “O referendo que se realizou pedia a despenalização da gravidez e não a sua liberalização. Portanto, o que pedimos é que haja um pouco de responsabilidade e um pouco mais de justiça”, argumenta Isilda Pegado, para concluir: “Não é justo que o aborto continue a ser universalmente gratuito, isto é, que os impostos de um operário que ganha 600 ou 700 euros por mês sirvam para pagar o aborto de uma mulher que se calhar até é economicamente abastada”.

A cobrança de uma taxa às mulheres que “abusam” do direito de interromper a gravidez no Serviço Nacional de Saúde anda há anos a ser posta em cima da mesa. “Não há a mais pequena lógica em não cobrar taxas moderadoras a quem interrompe uma gravidez, com base na lei de protecção à gravidez. É até um bocadinho irracional”, diz Luís Graça, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal. Para o obstetra, porém, as alterações devem limitar-se a este aspecto. “A lei está bem e tem dados belíssimos resultados em termos de saúde das mulheres”.

A título pessoal, o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Miguel Oliveira e Silva, concorda que chegou a altura de se alterar, não a lei em si, mas a sua regulamentação. “As consultas de planeamento familiar deviam ser obrigatórias e o aborto não devia ser sempre gratuito”, declarou ao PÚBLICO.

Para o ginecologista, a lei portuguesa é “tolerante para com comportamentos irresponsáveis”, nomeadamente nos casos das mulheres que repetem abortos. “Serão pouco mais de um por cento em 20 mil, à volta de 300, mas, se considerarmos vários anos, concluímos que o problema aumenta, nomeadamente porque há mulheres que continuam a não fazer contracepção depois de um aborto”.

Em sentido contrário, a directora da Divisão de Saúde Reprodutiva da Direcção-Geral de Saúde, Lisa Vicente, defende a manutenção da lei tal qual está. “A licença, ou subsídio, dado às mulheres que abortam tem sido alvo de uma constante desinformação, nomeadamente porque esta licença protege as mulheres que sofreram abortos espontâneos, gravidezes ectópicas ou que foram obrigadas a interromper a gravidez por motivos como a malformação do feto ou doença materna”, sublinha.

Lisa Vicente considera ainda que a cobrança de uma taxa obrigaria o SNS a determinar se a interrupção anterior fora por vontade da mulher ou determinada pela “malformação do feto ou violação”, por exemplo. Quanto aos custos da interrupção voluntária da gravidez, a responsável da DGS é peremptória: “Esta lei traz mais benefícios do que prejuízos, nomeadamente porque fez diminuir consideravelmente o número de mulheres que recorrem às urgências com complicações decorrentes de um aborto ilegal, não só de abortos incompletos mas também infecções ou perfurações do útero”.

Entre os argumentos contra a alteração da lei, a responsável da DGS destaca o mais importante: “Entre 2001 e 2007, antes da entrada em vigor desta lei, o relatório das mortes maternas dá conta de 12 mortes em 92 atribuíveis a aborto. Depois disso, houve o caso de uma morte por aborto medicamentoso. E depois de 2009 nenhuma mulher morreu em Portugal por aborto”.

Com os números do ano passado ainda a aguardar divulgação, a Direcção-Geral de Saúde registou 101.456 abortos por opção da mulher, entre 2007 e 31 de Dezembro de 2012. Os 18.408 abortos por opção da mulher de 2012 traduzem uma diminuição de 7,6% relativamente ao ano anterior, em que se registaram 19.921 abortos por vontade da mulher.

 

 
 
 

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