“Pedir desculpa é uma expressão que não é do léxico da diplomacia”
Na diplomacia, o glossário inclui palavras como "reparação" e "lamentamos o incómodo". Só muito raramente "pedidos de desculpa".
“Nunca em 40 anos vi alguém no Ministério dos Negócios Estrangeiros pedir desculpa”, diz um diplomata que pede para não ser identificado. “É uma expressão que não é do léxico da diplomacia.”
Diplomatas de diferentes gerações concordam que “não é normal”, que “é raro” e que, quando acontece, não é feito em público. Por regra e tradição, são encontradas formas “laterais” ou “informais” de suavizar problemas e tensões entre os Estados, nos bastidores e à porta fechada. No glossário dos diplomatas, as expressões são outras: “reparação”, “reconhecimento” de que algo “não correu da melhor forma”, o clássico “lamentamos o incómodo que causou” ou o mais vago “compreendemos a vossa posição”. Pedir desculpa “não se usa nas relações entre Estados”, diz um diplomata.
Há excepções, claro. Para os casos históricos, como pedidos de desculpa pela escravatura (que Portugal nunca aceitou fazer) ou pelo Holocausto (que a Alemanha fez). E para os casos de “erros crassos e factuais”. “Mas esses também são raros.”
Mesmo os diplomatas que definem o pedido de desculpa de Machete como “uma força de expressão” usada numa situação de improviso – e que por isso não deveria ser empolada – concordam que não se aplica ao caso das investigações de Angola.
A 18 de Setembro de 2013, em entrevista à Rádio Nacional de Angola, em Luanda, Machete disse, referindo-se às investigações do Ministério Público português a altos funcionários de Angola: “Tanto quanto sei, não há nada substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas e, naturalmente, [cabe-me] informar as autoridades de Angola pedindo, diplomaticamente, desculpa, por uma coisa que, realmente, não está na nossa mão evitar”.
Vários diplomatas ouvidos concordam que o que Machete fez foi pedir desculpa pelo normal funcionamento das instituições de um Estado de Direito democrático.
Na lógica da diplomacia, não se pede desculpa por duas razões. Nos casos históricos, porque o Estado é visto como uma linha de continuidade que não pode ser interrompida por um responsável político que, por definição, é transitório, ou seja, a sua interpretação individual não deve interromper essa linha nem diminuir o Estado. Nos casos de incidentes, porque pedir desculpa implica uma admissão de um erro, o que invalida uma decisão tomada e deixa o Estado “frágil” e mesmo “humilhado”, concordam os diplomatas ouvidos. “Quis pôr água na fervura, mas rebaixou o Estado”, disse um veterano.
O caso recente do Presidente Evo Morales mostra que há pedidos de desculpa entre os Estados, mas também revela como e em que casos eles acontecem. Em Julho, o Presidente da Bolívia fez um protesto formal depois de não ter sido autorizado a aterrar em Portugal, por alegadamente se suspeitar que o analista informático norte-americano Edward Snowden seguia a bordo. O vice-primeiro-ministro Paulo Portas, então chefe da diplomacia portuguesa, deu uma explicação técnica mas acabou por reconhecer que Morales poderia “ter razões de queixa” e que por isso enviara “uma palavra de reparação” ao Governo da Bolívia. Nunca se usou a expressão “pedido de desculpa”.
Um diplomata com anos de experiência em relações multilaterais faz duas perguntas: “Se a ideia era ‘minimizar os efeitos negativos’ que as investigações do Ministério Público estavam a causar em Angola, a frase de Machete ajudou alguma coisa em termos diplomáticos?” E a segunda: “Imagina-se Portugal a pedir desculpa a Cabo Verde ou a Moçambique? Este caso expõe apenas uma coisa: uma relação de dependência”.