Nem dentro da mala diplomática Assange pode fugir de Londres

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Apoiantes de Assange junto à embaixada do Equador no centro de Londres Rodrigo Buendia/AFP

Com asilo diplomático concedido no Equador, mas sem que o Reino Unido lhe conceda salvo-conduto para sair do país, o fundador da WikiLeaks permanece num limbo que pode arrastar-se durante anos.

Nem dentro de uma mala diplomática o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, teria a certeza de conseguir sair da embaixada do Equador em Londres e chegar com segurança ao país que lhe ofereceu asilo diplomático. Muito se tem especulado sobre como poderá ele sair da embaixada onde se refugiou há dois meses, já que o Reino Unido se recusa a reconhecer o asilo que o Presidente Rafael Correa concedeu a Assange. Mas o conflito diplomático apenas parece aprofundar-se, sem solução à vista.

Se houver suspeitas de que o conteúdo da mala diplomática não contém material legítimo, esta pode ser aberta na alfândega - e não há maneira de chegar de Inglaterra ao Equador, que fica na costa do Pacífico da América do Sul, sem apanhar um transporte por ar ou por mar. Um carro da embaixada não tem a mesma protecção de inviolabilidade que a representação diplomática.

Portanto, o australiano que se tornou uma figura mundial por causa da divulgação das comunicações diplomáticas do Departamento de Estado norte-americano pelo site WikiLeaks não tem outra alternativa senão permanecer naquela embaixada em Londres - pode ficar lá "indefinidamente", disse Rafael Correa.

Amanhã fará dois meses que lá está, e planeia falar aos apoiantes que se têm concentrado à porta do edifício de tijolo vermelho na zona de Knightsbridge. Deve anunciar que vai recorrer ao Tribunal Internacional de Justiça para exigir o direito a sair da embaixada sem ser preso.

A verdade é que, nas actuais condições, a estada de Assange na embaixada pode até arrastar-se durante anos. "A legislação europeia é um pouco diferente do direito latino-americano", reconheceu Rafael Correa ontem numa entrevista radiofónica. Na América Latina, quando é concedido asilo a uma pessoa, "o país onde se encontra a embaixada deve obrigatoriamente dar-lhe um salvo-conduto".

Mas o Reino Unido não é parte de nenhum acordo, bilateral ou multilateral, que o obrigue a respeitar o asilo concedido pelo Equador, sublinha o jornal equatoriano El Comercio. "Não pensaram nas consequências. O asilo só é obrigatório para os países da América Latina, em virtude da Convenção de Caracas", disse àquele jornal Mauricio Gándara, ex-embaixador de Quito em Londres.

A União Europeia diz que não se quer envolver neste caso - tal como os Estados Unidos, que, apesar de estarem a investigar a fuga de informação de documentos do Pentágono e do Departamento de Estado divulgados pelo WikiLeaks, desmentem estar a pressionar o Reino Unido ou a Suécia para que Assange seja posteriormente extraditado para os EUA.

O Equador, por seu lado, accionou as várias entidades regionais, como a Organização de Estados Americanos, mas é pouco provável que a situação seja desbloqueada.

No entanto, é o Equador que pode sofrer se se prolongar o conflito com dois países da UE - o Reino Unido que tem o dever de extraditar Assange para a Suécia, onde o Ministério Público o quer interrogar relativamente à queixa de duas mulheres de que as violentou sexualmente.

O paradoxo de Quito

"Poderia haver uma retaliação do Reino Unido para travar um acordo comercial entre o bloco europeu e o Equador", estimava o El Comercio, fazendo cálculos sobre possíveis consequências do conflito diplomático. Isto sem falar dos vizinhos EUA, que não devem ver com bons olhos a entrada no continente de alguém que, apesar de se classificar como campeão da transparência, tem feito amizades pouco tranquilizadoras.

Por exemplo, no seu programa de entrevistas no canal de satélite RT (Russia Today), financiado pelo Kremlin, tem feito entrevistas que são mais conversas amigáveis com figuras como Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah. Ou ao próprio Rafael Correa - terá sido então que o Presidente lhe ofereceu asilo.

Só que o cadastro de Correa no que toca à liberdade de imprensa está longe de ser brilhante.

O Presidente do Equador é um dos novos líderes populistas de esquerda da América Latina, um economista com formação nos EUA e na Bélgica que pôs em prática uma "Revolução Cidadã", imbuída de princípios tradicionais das populações indígenas, como o "viver bem". Dos princípios à prática, no entanto, há sempre toda a distância de que se faz a realidade.

Correa tem feito uma campanha contra os seus críticos nos media, obrigando rádios a fechar e perseguindo jornais e jornalistas. O caso de quatro editores do jornal El Universal, processados em 40 milhões de dólares e condenados a três anos de prisão, por difamação do Presidente - até serem finalmente perdoados por Correa - é o mais conhecido.

Mas a nova lei dos media, em antecipação das eleições presidenciais do ano que vem, proíbe os media de "promover directa ou indirectamente qualquer candidato, proposta, opções, preferências eleitorais ou "teses" políticas, através de artigos, dossiers especiais ou outras formas de mensagens". É quase uma lei da rolha.

Por isso, a célebre blogger cubana Yoani Sánchez, crítica do regime de Havana, considerou "paradoxal" que Julian Assange tenha pedido asilo ao Equador, relata a agência Efe. "Um homem que se tornou uma espécie de Robin Hood da informação acabou abrigado no castelo feudal de um Governo que tem uma política rígida, agressiva para os meios de comunicação e a liberdade de informação."

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