Vitória republicana foi também um sinal “de insatisfação com Washington”
Uma vitória histórica, com a maioria no Senado e um reforço na Câmara dos Representantes. O Congresso está no bolso dos republicanos, mas fica um aviso: se não alargarem a sua base de apoio, a luta travada com o actual Presidente não bastará para lhes abrir as portas da Casa Branca em 2016.
Apesar da derrota, os democratas têm uma explicação que ajuda a relativizar a vitória republicana de terça-feira. As batalhas deste ciclo eleitoral favoreciam o Partido Republicano, que tinha menos estados para defender do que os democratas, muitos deles perdidos por Barack Obama na eleição presidencial de 2012. Além disso, a afluência às urnas é muito inferior em anos sem eleições para a Casa Branca, principalmente entre o eleitorado mais jovem, o que tende a favorecer os republicanos. Isto sem contar com a História: de acordo com os registos, o partido que está na Casa Branca só conseguiu ganhar mais lugares do que o adversário nas eleições intercalares em três ocasiões nos últimos 152 anos.
Numa maratona com um percurso sempre em esforço para os democratas, os republicanos precisavam de retirar seis lugares aos seus adversários para conquistarem a maioria no Senado (51 eleitos em cem; em caso de empate, a maioria seria dos democratas, já que prevaleceria a palavra do vice-presidente dos EUA, Joe Biden).
Num momento em que a corrida ainda não chegou ao fim, devido à falta de resultados definitivos no Alasca, na Virginia e no Louisiana, o Partido Republicano já conquistou sete lugares, e tem fortes possibilidades de arrancar pelo menos mais dois, o que dariam um total de 54 - a contagem em curso no Alasca favorece o republicano Dan Sullivan; na Virginia a vantagem inferior a um ponto percentual do democrata Mark Warner deverá levar a uma recontagem dos votos; e no Louisiana os dois candidatos mais votados (a democrata Mary Landrieu e o republicano Bill Cassidy) vão disputar uma segunda volta a 6 de Dezembro, porque nenhum deles obteve 50% dos votos, com as sondagens a darem vantagem ao candidato do Partido Republicano.
O Partido Democrata entrou para as eleições dividido, entre os que viam em Barack Obama uma mais-valia para a campanha e os que o consideravam uma espécie de activo tóxico, um Presidente com uma popularidade cada vez mais distante dos seus gloriosos dias da “mudança” e do “sim, nós podemos” de 2008.
Uma semana depois de ter dito ao PÚBLICO que não conseguia encontrar indícios de uma “vaga republicana” à entrada para as eleições desta terça-feira, John Zogby, fundador da empresa de sondagens Zogby Analytics, admite agora que houve uma vaga, sim, mas uma vaga que não dá ao Partido Republicano muitos motivos para se gabar. “Houve uma vaga nas eleições, mas de insatisfação com Washington. Os eleitores expressaram o seu sentimento de insatisfação com raiva pela forma como as coisas estão, e o Presidente Obama é o homem que ocupa o cargo mais elevado. Na verdade, os eleitores classificaram de forma ainda mais negativa os líderes do Partido Republicano no Congresso, mesmo nos estados em que os republicanos venceram”, salienta John Zogby.
O que estava realmente em causa nestas eleições, defende o especialista, era a forma como os políticos da capital fazem política actualmente - sem diálogo, sem o mínimo sinal de que estão disponíveis para resolver os principais problemas dos país. “Mais uma vez, os eleitores disseram que querem que os dois partidos se entendam. Não foi uma vitória ideológica para os republicanos; foi uma rejeição da forma como Washington DC se está a comportar politicamente.”
Sim, nós percebemos
Na sua primeira declaração após as eleições, o Presidente Barack Obama tentou ir ao encontro das exigências dos eleitores: “Eu percebi o que vocês disseram.” “É óbvio que os republicanos tiveram uma boa noite, e merecem crédito por terem feito boas campanhas”, admitiu Obama. “Mas o que mais salta à vista é o facto de os americanos quererem que as pessoas eleitas trabalhem tanto como eles, e esperarem que nos foquemos nas ambições deles e não nas nossas. Querem que resolvamos problemas. Todos nós, em ambos os partidos, temos a responsabilidade de cumprir essa vontade.”
Assim que as projecções das principais estações de televisão começaram a carimbar a maioria do Partido Republicano nas duas câmaras do Congresso, o debate passou imediatamente para os dois assuntos que vão dominar a política norte-americana nos próximos dois anos, até à eleição presidencial de 2016: o que fará o Partido Republicano com o seu poder acrescido, e quem está mais bem posicionado para entrar na Casa Branca daqui a dois anos?
John Hudak, do think tank Brookings Institution, diz ao PÚBLICO que “o Partido Republicano não pode convencer-se de que a vitória de terça-feira é definitiva, especialmente em relação a 2016”. “Eles têm de perceber que agora carregam o fardo da governação e de trabalhar em conjunto com o Presidente, duas coisas que os eleitores independentes desejam, mas que os eleitores republicanos que vão votar nas primárias odeiam. Isso deixa os republicanos numa posição muito difícil a caminho das eleições presidenciais”, estima Hudak.
Um dos assuntos mais quentes dos próximos tempos será a proposta de reforma das leis de imigração, que não passou numa Câmara dos Representantes dominada pelo Partido Republicano, e que menos hipóteses terá ainda de passar agora que este domina também o Senado. “A pressão para a reforma das lei de imigração está toda do lado do Partido Republicano. Eles simplesmente não podem enfrentar uma nova eleição presidencial como uns párias para os hispânicos. Se não fizerem nada em relação à imigração, então o Presidente Obama marcará uma data limite para emitir uma ordem executiva. Os republicanos não vão gostar desse papel, mas não podem simplesmente continuar a ser o ‘partido do não’”, diz John Zogby.
O problema para os republicanos, diz o mesmo especialista, é que o partido terá de alargar a sua base de apoio para ter hipóteses de vencer as presidenciais em 2016, ano em que a maioria no Senado poderá regressar às mãos do Partido Democrata - no caso do Senado, o calendário eleitoral de 2016 é quase o inverso do de 2014, favorecendo os candidatos do Partido Democrata.
O adiamento da reforma das leis da imigração contribuiu para a queda de popularidade de Obama entre os hispânicos ( grupo que o ajudou a vencer duas eleições consecutivas) e pode também ter-se reflectido nestas eleições intercalares. Já este ano, depois de ter prometido controlar o Congresso e assinar uma ordem executiva para legalizar a situação de milhões de imigrantes que entraram no país de forma ilegal, Obama decidiu empurrar essa decisão para depois das eleições, o que foi interpretado como uma traição por uma parte da sua base de apoio.
Obama contra-ataca
Ontem, Obama tratou de descansar os defensores da reforma das leis de imigração e, ao mesmo tempo, lançou o primeiro contra-ataque à maioria republicana no Congresso: renovou a promessa de assinar uma ordem executiva para aprovar a reforma, e passou a bola aos republicanos. “Estou ansioso para ver o que têm a propor, mas o que não farei é limitar-me a esperar.”
Apesar das análises pós-eleitorais, é inegável que o Partido Republicano teve uma vitória retumbante na noite de terça-feira. Poucas horas antes do fecho das urnas, na sede do Partido Republicano da Carolina do Norte, em Raleigh, 18 voluntários mantinham os olhos colados aos computadores portáteis, à espera de boas notícias. O seu candidato a senador, Thom Tillis, andou quase sempre atrás nas sondagens, mas a diferença era tão pequena que muitos acreditavam numa vitória sobre a senadora democrata Kay Hagan.
O porta-voz do partido, Will Allison, um jovem de 28 anos que passou quase toda a sua vida adulta nos corredores do Capitólio, oferece-nos umas das últimas guloseimas que sobraram do Halloween e aponta-nos o caminho do Shuckers, o bar onde os republicanos de Raleigh acabariam por fazer a festa, numa das vitórias mais inesperadas da noite eleitoral.
Balões encarnados e azuis, e as inevitáveis bandeiras dos Estados Unidos, indicavam o caminho para a sala do fundo, onde os convidados se misturavam com jovens voluntários, agarrados a computadores e smartphones a seguirem todos os passos através do Twitter. “Estamos com um bom pressentimento, mas a corrida está muito renhida”, admitia Will Allison.
Cá fora, entre cigarros e abraços, um jovem casal faz tempo para entrar no bar, mas não na festa dos republicanos. “Não sigo nenhum partido em particular”, diz Hayes Bradshaw, 27 anos. “Há muitas coisas que têm de ser melhoradas. A marijuana tem de ser legalizada, o controlo de armas tem de ser mais apertado. Defendo o direito ao porte de armas, mas tem de haver mais controlo. Para além disso, não sei muito mais, é por isso que contratam pessoas mais bem preparadas do que eu para pensar nessas coisas.” Com um pouco de insistência, Hayes mostra que está preparado para discutir assuntos de forma mais séria: “O principal assunto é o nosso sistema de educação. Há muitas pessoas a desistir das escolas secundárias. Devíamos estar a inspirar as pessoas a terem mais educação, em vez de lhes mostrarmos onde vão parar sem ela.”
Mensagens contraditórias
Um dos grandes vencedores da noite eleitoral foi o republicano Mitch McConnell, que não só deixou a sua adversária Alison Lundergan Grimes a 15 pontos percentuais (56% contra 41%) na luta pelo lugar de senador do Kentucky, como é o mais do que provável futuro presidente da maioria no Senado. No seu discurso de vitória, McConnell deixou mensagens contraditórias sobre o que fará como líder do Senado, em conjunto com John Boehner, o republicano que vê também a sua liderança reforçada na Câmara dos Representantes.
“Temos a obrigação de trabalhar em conjunto [com a Casa Branca] nos assuntos em que podemos chegar a acordo. Mas não estou à espera que o Presidente acorde amanhã de manhã com uma visão do mundo diferente. E ele sabe que isso também não vai acontecer comigo”, disse Mitch McConnell.
Ontem, já depois da festa da vitória, McConnell foi mais conciliatório, prometendo que durante a sua liderança “não haverá uma nova paralisação do governo” (shutdown), mas deixou um aviso: que o Presidente Obama não tente resolver o problema da imigração através de uma ordem executiva.
A questão agora é saber o que fará o Partido Republicano com a sua primeira maioria no Congresso nos últimos oito anos - uma política de concessões menores, para não afastar os seus apoiantes mais moderados; ou uma política de confrontação total, depois de uma vitória expressiva como a que foi agora alcançada?
Para a maioria dos eleitores dos Estados Unidos, a resposta é fácil (mais diálogo e mais trabalho em conjunto para fazer avançar o país), mas a mensagem dos cidadãos nem sempre serve de indicador para as acções dos partidos, como dá a entender a veterana jornalista de Política Karen Tumulty, no The Washington Post. “Agora que o poder mudou de mãos no Senado, há dois cenários para o que poderá ser feito em Washington nos próximos dois anos: não muito; ou absolutamente nada.”