União Europeia quer guardar registos de todos os passageiros por cinco anos

Plano faz parte do programa de combate ao terrorismo na Europa, mas deve esbarrar novamente no Parlamento Europeu.

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O plano ganhou força depois dos atentados em Paris FRED DUFOUR/AFP

Se a proposta for aprovada, todas as companhias aéreas serão obrigadas a partilhar informações pessoais dos seus passageiros com as forças policiais e agências de serviços secretos dos países da UE, que depois poderão trocá-las entre si. A regra será válida para todos os voos – de e para a UE e entre os países-membros.

Em causa está uma lista com 42 categorias de informação por cada passageiro, que seria enviada para um novo departamento a ser criado em cada país, coordenado por uma nova agência europeia. Para além dos dados biográficos, como nome e data de nascimento, a lista incluiria também as preferências pela comida a bordo dos aviões – por exemplo, se o passageiro pediu comida halal (produzida de acordo com as regras islâmicas).

As informações sobre os passageiros ficariam guardadas durante cinco anos e sete dias – ao fim de sete dias, o ficheiro relativo ao passageiro seria "despersonalizado", ou seja, depositado numa base de dados com a identidade mascarada, mas ainda assim acessível durante cinco anos, sempre que as autoridades de um país demonstrem que é essencial para uma investigação.

Esta proposta faz parte de um pacote mais alargado sobre medidas de combate ao terrorismo, debatido nesta quarta-feira eentre os deputados europeus e o comissário responsável pelos Assuntos Internos, o grego Dimitris Avramopoulos. Mas na reunião informal dos ministros da Justiça e dos Assuntos Internos da UE, marcada para quinta-feira, em Riga, capital da Letónia, não se esperam decisões.

Votação em Março
Numa conversa telefónica com o PÚBLICO, o eurodeputado alemão Jan Philipp Albrecht disse que a Comissão Europeia ainda não apresentou uma proposta oficial à Comissão de Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu (PE), que é o primeiro passo para que a proposta de directiva seja votada. O que se sabe, frisou Albrecht, é o que foi publicado pelo jornal britânico The Guardian, que teve acesso ao documento antes de ele ser enviado ao PE.

De acordo com o porta-voz do grupo Verdes/Aliança Livre Europa e vice-presidente da Comissão de Liberdades Cívicas, o documento oficial deverá chegar ao PE "no início de Fevereiro", e não é esperada uma votação final antes de Março.

Este calendário esbarra com a urgência manifestada publicamente por vários líderes europeus desde os atentados em Paris, mas os maiores obstáculos são a oposição do PE – que contesta o facto de a recolha de dados não se restringir a suspeitos e a voos bem definidos – e a decisão do Tribunal Europeu de Justiça sobre retenção de dados – que exige uma maior protecção dos dados pessoais.

Na prática, esta nova proposta da Comissão Europeia é uma revisão do documento apresentado em 2011, que foi chumbado na Comissão de Liberdades Cívicas, em 2013, por cinco votos – 30 contra 25.

Para os membros da comissão que votaram contra, em causa estava "a proporcionalidade do esquema proposto pela UE para a recolha, uso e retenção dos dados de passageiros aéreos (independentemente de serem ou não suspeitos), e a sua observância com direitos fundamentais, especialmente a protecção de dados". Já os que votaram a favor "sublinharam o potencial valor acrescentado para a política de contra-terrorismo da União Europeia, fazendo notar que um quadro europeu seria melhor do que uma mistura de sistemas nacionais", como se pode ler num comunicado publicado no site do PE.

Alterações insuficientes?
A proposta para uma directiva comunitária sobre registo, partilha e armazenamento dos dados pessoais de todos os passageiros aéreos foi reformulada, mas ainda assim as alterações não deverão ser suficientes para convencerem o Parlamento Europeu, considera Jan Phillip Albrecht. "Se a Comissão apresentar uma proposta que tenha em conta as preocupações do PE e do Tribunal Europeu de Justiça, então poderá ser aprovada. Tal como está a ser anunciada, o mais provável é que seja reprovada de novo", disse ao PÚBLICO.

Na proposta anterior, os ficheiros relativos a cada passageiro ficariam acessíveis durante um mês antes de serem "despersonalizados", em vez dos sete dias agora propostos. Em ambos os casos, a informação ficaria guardada numa base de dados por cinco anos.

A tensão entre os governos e o PE é evidente. Um mês antes dos atentados em Paris, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, descreveu os eurodeputados que se opõem à criação do Registo de Nomes de Passageiros como "francamente ridículos", acusando-os de porem em perigo a vida de milhões de passageiros.

Na semana passada, numa entrevista à CNN, a responsável pela Política Externa da UE, Federica Mongherini, disse acreditar que os Vinte e Oito vão mesmo adoptar um sistema semelhante ao que existe nos Estados Unidos. "Embora respeitando a privacidade, a partilha de informação é crucial, porque estamos numa fase problemática em que temos de decidir se há confiança mútua, senão vamos ter sempre deficiências na resposta às ameaças à nossa segurança interna", disse Mogherini.

A UE já tem acordos semelhantes com os EUA e com a Austrália, mas um outro acordo com o Canadá foi remetido pelo PE para apreciação pelo Tribunal Europeu de Justiça. Os acordos com os EUA e com a Austrália foram assinados em 2012 e 2011, antes das revelações sobre os programas de espionagem em larga escala pela Agência de Segurança Nacional norte-americana, em 2013, que acendeu o debate sobre privacidade.

Na decisão de enviar a proposta de acordo com o Canadá para o Tribunal Europeu de Justiça, em Novembro de 2014, a relatora Sophie in't Veld, da Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa, defendeu o estabelecimento de regras "claras".

"Queremos certezas legais para os cidadãos da UE e para as companhias aéreas, que sirvam de base para futuros acordos com outros países que envolvam a recolha em larga escala de informações pessoais sobre cidadãos europeus. Deve ser claro que qualquer acordo, presente ou futuro, tem de ser compatível com os tratados e direitos fundamentais da UE, e não devem ser usados como meios para enfraquecer os padrões de protecção de dados pela porta dos fundos", defendeu

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