Um Olimpo à medida de Putin em Sochi
Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, os mais caros de sempre, foram feitos à medida da ambição do Presidente Vladimir Putin de apresentar o rosto da nova Rússia. Mas o que ficará em exibição pode não ser a melhor imagem do país.
“Temos memórias fortes e emotivas do entusiasmo optimista que sentimos durante os Jogos Olímpicos de Moscovo de 1980… o poderoso e inspirador espírito olímpico está de volta à nossa nação”, declarou o Presidente russo em Sochi, uma pequena cidade balnear de 400 mil habitantes à beira do mar Negro que Vladimir Putin transformou em sete anos naquilo que ele pretende que seja uma montra reluzente da prosperidade e da modernidade dos seus 14 anos à frente da Rússia.
É uma velha tradição soviética: usar o desporto e a construção de projectos faraónicos para projectar o país como uma superpotência mundial.
Mas desta vez a ambição custou pelo menos 50 mil milhões de dólares ou 37 mil milhões de euros. O primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, reconheceu no ano passado que este número se aproxima da verdade. No entanto, desde aí as autoridades russas têm falado numa quantia de apenas 6000 milhões de dólares – que dizem ser o custo dos equipamentos olímpicos. O resto são despesas de infra-estruturas que, afirmam, teriam de ser feitas de qualquer forma.
Mas é duvidoso, por exemplo, que se construísse uma complicadíssima estrada e caminho-de-ferro que liga a povoação com praias de clima subtropical, onde ficam os estádios olímpicos, às montanhas do Cáucaso, onde vão decorrer os eventos alpinos. Só nessa obra gastou-se perto de 9000 milhões de dólares, ou seja, só esta infra-estrutura custou um quinto daqueles 50 mil milhões. Mas quando em 2007 o Comité Olímpico Internacional escolheu Sochi para receber os Jogos de Inverno de 2014, o orçamento dizia que só se gastariam 12 mil milhões de dólares.
Montra arriscada
“Os Jogos Olímpicos de Sochi são um vestígio de um tempo mais inocente, quando a Rússia era uma superpotência energética, a popularidade de Putin tinha atingido o clímax, e parecia perfeitamente natural assumir estes novos compromissos”, comentou ao Christian Science Monitor Lilia Chevtsova, do Carnegie Moscow Center. “Mas os tempos agora são diferentes. Os Jogos tornaram-se uma dor de cabeça cara. Corre-se um sério risco de que o que terá destaque serão as fraquezas russas, em vez de os seus sucessos”, sublinhou a investigadora.
Ao falar-se dos custos elevados, fala-se de uma elevada ineficácia e corrupção – a Rússia ficou em 127.º, numa lista de 132 países, no índice de 2013 da Transparency International de percepção da corrupção. Foi criada uma grande empresa estatal, a Olympstroy, para coordenar os trabalhos de construção, que nos últimos seis anos teve quatro directores. A cada mudança de chefe houve investigações criminais, segundo a revista The Economist, mas nunca ninguém foi julgado. Os lugares de chefia, e mesmo os quadros intermédios, são escolhidos de acordo com a lealdade ao Kremlin, diz a revista.
A economia russa, assente na exploração do petróleo e gás natural, que hoje representam 75% das exportações, tem permitido alimentar estes altos níveis de corrupção. Mas este modelo já não está a funcionar como antes, nota a Economist. Há dez anos, o Orçamento russo equilibrava-se se o preço do petróleo fosse à volta de 20 dólares o barril; hoje, só se for 103 dólares. Com os preços da energia a descer, por causa do novo boom do gás de xisto (gás natural que se encontra nas formações de xisto argiloso), as estimativas de crescimento do produto interno bruto da Rússia desceram muito, para níveis mais próximos dos do resto da Europa: 2% em 2014.
Por isso, a Rússia moderna que Putin pretende exibir em versão pop nos Jogos de Inverno, como diz David Remnick, director da revista New Yorker, tornou-se mais vulnerável às críticas, que aproveitam também o palco dos Jogos de Sochi.
Há um imenso movimento dos activistas gay contra a lei que criminaliza a “propaganda homossexual” junto de menores, que é apoiada pelos líderes políticos de muitos países ocidentais, que recusaram o convite a ir à cerimónia de abertura – Barack Obama, Joachim Gauck (Presidente alemão) ou François Hollande, por exemplo.
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, não se referiu directamente à lei que criminaliza a “propaganda homossexual” junto de menores, mas condenou a discriminação em Sochi. “No século XXI não há lugar para o ódio, seja de que tipo for”, afirmou. “Devemos todos levantar a voz contra os ataques a pessoas gay.”
Aproveitando o palco dos Jogos, um grupo de 200 escritores, entre os quais três prémios Nobel (Wole Soyinka, Elfriede Jelinek e Orhan Pamuk) escreveram uma carta aberta para denunciar a perseguição aos homossexuais e as violações à liberdade de expressão na Rússia.
O palco está montando. Mas o espectáculo terá mais extras do que aqueles com que Putin contava.