Tribunal de Justiça iliba Sérvia e Croácia de genocídio

Instância diz que não ficou provado que as forças dos dois países tenham tido intenção de destruir grupo étnico rival. Belgrado espera que veredicto possa contribuir para "paz durável" nos Balcãs.

Foto
Veteranos da guerra na Croácia assistem à leitura do veredicto em Vukovar Antonio Bronic/Reuters

Na leitura do acórdão, Peter Tomka, o juiz presidente do TIJ, recordou várias atrocidades cometidas pelas forças leais aos dois países durante o conflito, mas disse não ter ficado provado que nenhuma tenha tido o propósito de “destruir no todo ou em parte” o grupo étnico adversário – como é configurado o genocídio, o mais grave dos crimes previstos pelo direito internacional.

 O Governo croata, que exigia a Belgrado o pagamento de avultadas indemnizações, foi o primeiro a recorrer à instância internacional, quatro anos depois do fim de uma das guerras que se seguiram ao desmembramento da ex-Jugoslávia e durante a qual foram mortas mais de 20 mil pessoas.

Zagreb alegava que os separatistas sérvios – que se opuseram à declaração da independência croata e, apoiados por Belgrado, ocuparam parte do país – cometeram uma “forma de genocídio que se traduziu no deslocamento forçado, assassínio, tortura e detenção ilegal de um grande número de croatas”. Apontava, nomeadamente, a destruição de Vukovar, cidade tomada em 1991 pelas forças sérvias, ao fim de três meses de cerco, seguido da fuga de dezenas de milhares de habitantes e da execução de centenas de civis.  

No acórdão, aprovado por 15 votos a favor e dois contra, o TIJ conclui que os crimes cometidos pelas forças sérvias não tinham por objectivo eliminar a população croata, mas obrigá-la a abandonar pela força aquela e outras zonas ocupadas pela autoproclamada República da Krajina.

Em 2010, a Sérvia apresentou uma queixa contrária, denunciando o carácter genocida da Operação Tempestade, nome de código da ofensiva militar croata que pôs fim à guerra e provocou a fuga de 200 mil sérvios do país, a maioria dos quais nunca regressou. Além de uma indemnização aos deslocados, Belgrado exigia que Zagreb deixasse de celebrar o feriado de 5 de Agosto, com que desde 1995 festeja o sucesso da operação. Por unanimidade, os juízes do TIJ entenderam que “os actos de limpeza étnica podem fazer parte de um plano genocida, mas apenas se houver intenção de destruir fisicamente o grupo visado”.

No acórdão, os juízes desafiam os dois Estados a sentarem-se à mesma mesa para assumirem a sua quota de responsabilidades, para que sejam pagas “às vítimas de tais violações as reparações apropriadas” e se dêem passos para “consolidar a paz e a estabilidade na região”.

De todas as atrocidades cometidas durante as guerras dos Balcãs, a justiça internacional considera que apenas o massacre de Srebrenica – quando cerca de oito mil homens e rapazes muçulmanos da Bósnia foram executados após a tomada daquele enclave pelas forças sérvias bósnias – constituiu crime de genocídio. O pior desfecho para o processo que culminou nesta terça-feira seria, por isso, um veredicto que desse provimento a apenas uma das queixas, agravando o jogo de culpas que os dois países esgrimem desde o fim da guerra.

O Presidente sérvio, o nacionalista Tomislav Nikolic, admitiu que o veredicto “não corresponde inteiramente às expectativas” do país, mas disse esperar que possa contribuir para um “período de paz durável e de prosperidade”. Zagreb, que continua a referir-se à guerra como a “agressão sérvia”, também não escondeu a sua decepção, mas o primeiro-ministro, Zoran Milanovic, garantiu que o país acatará “de forma civilizada” a decisão. “Espero que contribua para encerrar um capítulo histórico e abrir um novo período mais seguro e próspero para os povos desta parte da Europa”, afirmou a chefe da diplomacia croata, Vesna Pusic.

Muito mudou nas relações entre os dois países na última década, com uma progressiva reaproximação entre as duas antigas repúblicas jugoslavas no campo económico e até político. Mas o nacionalismo que alimentou as guerras que dilaceraram os Balcãs mantém-se vivo e as feridas da guerra não foram esquecidas. Isso ficou bem claro pela reacção irada com que, em 2012, a Sérvia reagiu à absolvição em sede de recurso de Ante Gotovina, comandante da Operação Tempestade, que tinha sido condenado inicialmente a 24 anos de prisão por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Meses antes, Nikolic, um antigo defensor da “Grande Sérvia”, enfureceu Zagreb, ao afirmar, numa entrevista a um jornal alemão, que Vukovar “era uma cidade sérvia e os croatas não têm nada que voltar para lá”.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários