Snowden quer voltar a casa, mas não para acabar numa cela

Sugerindo que gostaria de beneficiar de uma amnistia, o ex-analista voltou às denúncias dos programas de espionagem da NSA. Kerry diz-lhe que regresse para enfrentar "o sistema de justiça americano".

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Snowden falou pela primeira vez a um canal norte-americano Reuters

“Se há um lugar no mundo para onde eu desejaria ir, é para casa”, disse Snowden, quase um ano depois do início da publicação de documentos que revelaram a dimensão das escutas ilegais realizadas por Washington em todo o mundo. O antigo consultor da NSA repetiu ter agido “desde o primeiro dia para servir o seu país”. “Resta às pessoas decidirem se eu posso beneficiar de uma medida de amnistia ou de clemência.”

Pouco antes da transmissão da entrevista de uma hora, a primeira dada por Snowden a uma televisão nos EUA, e na sequência da divulgação dos primeiros excertos, o secretário de Estado, John Kerry, descrevia o analista como “um fugitivo” que "provocou grandes danos ao seu país", sugerindo-lhe que “deve portar-se como um homem e regressar aos EUA”. “Um patriota não fugiria”, disse. “Se ele acredita na América, devia confiar no sistema de justiça americano”, acrescentou.

O attorney general (equivalente a ministro da Justiça) Eric Holder já disse que perdoar Snowden “seria ir demasiado longe”, mas admitiu que os EUA “entrariam num diálogo” com o analista para encontrar uma solução se ele aceitasse a responsabilidade pelas fugas de informação.

Snowden foi acusado de roubo e várias violações da Lei da Espionagem por divulgar pormenores dos programas de espionagem aos meios de comunicação social – incluindo ao norte-americano The Washington Post e ao britânico The Guardian, que este ano ganharam o Prémio Pulitzer pelo tratamento jornalístico dos documentos revelados.

Snowden quer voltar a casa, mas não para “entrar na cela de uma prisão”. Isso, defende, “seria um mau exemplo para outras pessoas no Governo que vejam alguma coisa a passar-se, alguma violação da Constituição, e pensem que deveriam dizer qualquer coisa sobre isso”.

Na entrevista, Snowden não negou ter cometido ilegalidades. “Há alturas em que o que está certo e o que é legal não são o mesmo”, justificou. “Às vezes, fazer o que está certo significa fazer algo ilegal.”

Proteger a Constituição
Explicando que nunca planeou acabar na Rússia, país que em Agosto lhe deu o estatuto de refugiado, Snowden contou que tinha previsto viajar até à América Latina, mas quando a administração norte-americana lhe revogou o passaporte, teve de permanecer no aeroporto de Moscovo. Isto depois de ter abandonado o hotel de Hong Kong onde se encontrava quando os documentos que tinha obtido começaram a sair na imprensa.

“Eu nunca me encontrei com o Presidente russo. Eu não sou apoiado pelo Governo russo. Não recebo dinheiro deles. Não sou um espião, que é o que está em causa”, afirmou.

Na entrevista realizada na Rússia, Snowden repetiu 22 vezes a palavra Constituição (as contas são do The Washington Post). “Ser um patriota não significa dar prioridade a servir o Governo acima de tudo”, disse. “Ser um patriota significa saber quando é preciso proteger o país e quando é preciso proteger a Constituição contra o ataque de adversários. E os adversários não têm de ser países estrangeiros. Podem ser maus polícias.”

O debate nos EUA
As revelações feitas por Snowden embaraçaram a administração de Barack Obama (principalmente por provarem que Washington regista conversas privadas de dirigentes estrangeiros aliados), mas abriram um debate nos EUA sobre o papel da NSA e os limites que devem enquadrar o poder da agência para conduzir os seus programas de vigilância.

Obama pediu ao Congresso para pôr ordem nestes programas, impedir a NSA de armazenar por si mesma os dados das comunicações e obrigar a agência a pedir aos tribunais para ter acesso aos registos das empresas de telecomunicações. A Casa Branca já aprovou esta legislação e, na semana passada, enviou-a ao Senado.

Num registo bem mais descontraído do que em anteriores aparições públicas, Snowden contou ao entrevistador Brian Williams que tem pouco com que se entreter na Rússia, já que nem fala a língua. Disse que passa os dias em casa a ver a série norte-americana The Wire (que em 2008 Obama nomeou como o seu “programa de televisão favorito"), apesar de achar “que a segunda temporada não é assim tão boa”.

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