Rússia corta o gás à Ucrânia e a guerra continua em tribunal
Gazprom diz que só fornecerá o combustível que o país vizinho pagar adiantado.
A União Europeia tentou mediar um acordo para evitar a ruptura no abastecimento de gás, mas as duas partes separaram-se domingo à noite sem chegar a um entendimento. Durão Barroso, o presidente da Comissão Europeia, apelou ainda à Rússia e à Ucrânia para que façam “mais um esforço”.
O novo Governo ucraniano queria que a Rússia mantivesse o desconto oferecido em Dezembro ao anterior Presidente ucraniano, Viktor Ianukovich, que baixava o preço do gás para 268,5 dólares por mil metros cúbicos. Após a assimilação da Crimeia, a Gazprom subiu o preço para 485 dólares (bem acima da média europeia), mas na sua última proposta, feita na semana passada, admitia baixá-lo para 385 dólares. Isso, se a Ucrânia pagasse até 16 de Junho 2000 milhões de dólares, quase metade do valor da dívida acumulada, e o resto dos 4458 milhões de dólares até dia 26.
“Foram-lhes apresentadas condições superbenéficas, mesmo se comparadas com as do anterior Presidente. Mas não aceitaram estas condições e criaram uma crise do gás artificial. Isto é deplorável e cheira a chantagem”, declarou o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, citado pela agência noticiosa russa Ria-Novosti.
A Rússia defende-se com esta ideia de “chantagem” por parte da Ucrânia. O director-geral da Gazprom, Alexei Miller, usou também esta palavra quando afirmou não haver “mais nada para discutir com a Ucrânia".
A decisão de Moscovo foi comunicada à hora (7h em Portugal continental) em que terminou o prazo estipulado pela empresa estatal russa Gazprom para receber parte dos 4500 milhões de dólares que diz ter a haver da Ucrânia. “Nenhum pagamento foi efectuado. Ao abrigo do contrato existente, a Gazprom coloca a Naftogaz num sistema de pré-pagamento… A partir de hoje, a empresa ucraniana só receberá o gaz russo que já tiver pago.”
“O volume entregue [pela Rússia] é apenas o de trânsito para os países europeus”, confirmou o ministro da Energia ucraniano, Iuri Prodan. O presidente da empresa de gás ucraniana Naftogaz, Andrei Kobolev, acrescentou que o país tem cerca de 13 mil milhões de metros cúbicos de gás de reserva, o suficiente para garantir as suas necessidades até Dezembro.
Prodan garantiu que o fluxo de gás que a Rússia vende aos países da União Europeia e transita pelos gasodutos em território ucraniano se manterá inalterado. No entanto, o comissário europeu da Energia, Guenther Oettinger, diz que, se não houver um acordo nos próximos meses e a Ucrânia gastar as suas reservas, o tráfego de gás para a UE será afectado “e haverá problemas, se o Inverno for rigoroso”. O gás russo representa 15% do consumo anual europeu.
Alguns países, como a Bulgária e a Áustria, têm stocks acima da média de gás natural (à volta de 63%), segundo os dados actualizados diariamente da organização Gas Infrastruture Europe. Mas outros teriam rapidamente problemas, se o fluxo fosse interrompido, como a Hungria (26% de stocks), a França (44,58%) e a Croácia (51%), diz a AFP.
Terminadas as negociações mediadas pela União Europeia, a questão vai prosseguir num tribunal arbitral de Estocolmo, junto do qual tanto a Ucrânia com a Rússia apresentaram queixa relativamente à dívida do gás. Kiev reclama dos contratos assinados por anteriores governos que estabeleceram estes preços e exige uma indemnização à Gazprom de 6000 milhões de dólares, por considerar ter pagado em demasia desde 2010. A Rússia exige ter o dinheiro que considera ser-lhe devido.
Esta é outra frente da guerra cada vez menos fria entre os dois países, e que segundo a ONU terá feito já 34 mil deslocados internos. No fim-de-semana Kiev acusou Moscovo de fornecer tanques e armamento pesado aos separatistas pró-russos que assumiram o controlo de várias cidades no Leste do país e de ter sido abatido um avião militar ucraniano que transportava 49 soldados.
Nesta sexta-feira, os separatistas ocuparam o edifício do banco central em Donetsk, a capital regional do Leste, “paralisando” o sistema financeiro regional, segundo um comunicado do Governo de Kiev. Mas, apesar de tudo isto, o Presidente recém-empossado, Petro Poroshenko, apelou a uma trégua, para que possa haver negociações sobre o seu plano de paz, sobre o qual nunca disse muito.