Negociações em Minsk falham acordo de cessar-fogo, Kiev perde terreno para os separtistas
Representantes ucranianos e russos reuniram-se em Minsk, mas os líderes dos dois países trocam acusações e separatistas assumem o controlo do aeroporto de Lugansk.
Se no terreno os confrontos continuam, na mesa das negociações tenta encontrar-se um caminho para o cessar-fogo. Em Minsk, representantes diplomáticos da Ucrânia, da Rússia e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) reuniram esta segunda-feira com responsáveis das forças rebeldes. Do encontro à porta fechada pouco se soube, para além de que ficou agendada nova reunião para sexta-feira, de acordo com a agência russa Interfax.
A presença dos rebeldes nas negociações é um dos pontos mais sensíveis, uma vez que Kiev tem mostrado muitas reticências em se sentar à mesa com representantes das repúblicas separatistas que não reconhece. De acordo com a mesma agência, os rebeldes pró-Moscovo propuseram a aprovação de um “estatuto especial” para os territórios que controlam. Esta é uma solução que faz eco da posição defendida por Vladimir Putin na véspera.
Enquanto decorria o encontro, na Ucrânia, os combates levaram à retirada das forças militares de Kiev do aeroporto de Lugansk, evidenciando um novo reforço da ofensiva dos rebeldes pró-russos. O porta-voz do Exército ucraniano, Andri Lisenko, disse que os soldados "retiraram-se de forma organizada" e que os combates no aeroporto de Lugansk foram travados contra o Exército russo, e não apenas contra combatentes separatistas.
"Levando em conta a precisão do bombardeamento, podemos afirmar que a artilharia das forças armadas da Federação Russa está a disparar contra as nossas forças", disse o porta-voz.
A acusação de que a Rússia tem tropas a lutar ao lado dos separatistas no Leste da Ucrânia não é nova, mas ganhou uma nova força na semana passada, quando as forças pró-russas conquistaram a pequena cidade de Novoazovsk, levando a guerra para a costa Sudeste do país.
O objectivo dos separatistas é a conquista da importante cidade portuária de Mariupol, cerca de 50 quilómetros a Oeste de Novoazovsk. Alguns analistas acreditam que a intenção é assegurar o controlo da região do Mar de Azov e, dessa forma, garantir uma ligação entre a Rússia e a península da Crimeia, anexada por Moscovo em Março.
Segundo a NATO, este novo fôlego dos combatentes separatistas conta com o apoio de cerca de mil soldados russos – o porta-voz do Exército ucraniano acusou nesta segunda-feira Moscovo de ter enviado para território ucraniano quatro batalhões, com quase 400 soldados cada, para além de peças de artilharia e apoio aéreo.
Assumindo a presença militar do Exército russo em território ucraniano, a NATO prepara-se para criar uma força de “intervenção rápida” de cerca de quatro mil homens que possa ser enviada para o Leste europeu e para os países do Báltico membros da Aliança. Na mente da organização está a defesa dos Estados-membros perante uma potencial ameaça russa na região. O projecto deverá ser levado à aprovação dos 28 membros da Aliança durante a cimeira desta semana no País de Gales, segundo o The Guardian. A decisão vem ao encontro dos desejos dos países do Leste europeu, cada vez mais alarmados pela escalada do conflito na Ucrânia e que têm sido os adeptos da linha mais dura para lidar com Moscovo.
A Rússia negou sempre a acusação de que está envolvida directamente nos combates no Leste da Ucrânia. Segundo o Kremlin, os russos que estão a lutar ao lado dos separatistas são voluntários, e os dez pára-quedistas que foram capturados na semana passada entraram em território ucraniano sem intenção, depois de terem perdido o sentido de orientação.
Em Ilovaisk, na província de Donetsk, já terão morrido centenas de soldados do Exército ucraniano e voluntários fiéis a Kiev. O líder de um dos batalhões de voluntários, Semion Semenchenko, disse ao jornal britânico The Telegraph que os seus homens renderam-se a soldados russos e não a combatentes separatistas – um vídeo filmado pelo canal russo RT e publicado no domingo mostra dezenas de ucranianos (o título do vídeo faz referência a mais de 100) capturados pelos pró-russos em Ilovaisk.
O porta-voz do Exército ucraniano, Andri Lisenko, admitiu nesta segunda-feira que a situação em Ilovaisk é "excepcionalmente difícil e complicada".
Rússia exige cessar-fogo imediato, Ucrânia denuncia agressão
Para além da escalada militar, os últimos dias trouxeram também uma escalada na guerra de palavras, que põe em causa o resultados das conversações desta terça-feira, em Minsk, onde vão estar representes da Ucrânia, da Rússia, da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e, aparentemente, de combatentes separatistas (esta informação foi avançada por líderes separatistas, mas ainda não teve confirmação oficial).
Em Kiev, o Presidente ucraniano acusou a Rússia de estar a levar a cabo uma "agressão directa e aberta" contra a Ucrânia, e disse que é isso que está "a mudar a situação na zona de conflito de uma forma radical".
A guerra de palavras prosseguiu a partir da Sibéria, onde o Presidente russo, Vladimir Putin, reforçou a ideia de que as autoridades de Kiev têm de dialogar com os separatistas: "A actual liderança de Kiev não quer dialogar de forma substantiva com o Leste do seu país."
Horas antes do início da ronda de conversações, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, deixou claro que para Moscovo só há um caminho para a paz no Leste da Ucrânia, reforçando a posição oficial do seu país: as autoridades de Kiev têm de ordenar o fim da ofensiva contra os separatistas e retirar as suas forças das proximidades de Donetsk e Lugansk.
Num discurso seguido de perguntas e respostas de alunos do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscovo, Lavrov disse esperar que as negociações desta segunda-feira se centrem, "acima de tudo, na tarefa de se alcançar um cessar-fogo imediato, sem condições".
"Eles têm de abandonar as posições a partir das quais conseguem causar danos à população civil", exigiu o ministro russo, referindo-se às forças leais às autoridades de Kiev.
Esta posição russa – que tem sido repetida desde o início do conflito, em Abril – colide com a posição ucraniana, que também defende um único caminho: que os combatentes separatistas deponham as armas sem condições. O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, que foi eleito a 25 de Maio com a promessa de pôr fim à rebelião numa questão de dias, exige que os separatistas ponham fim aos ataques sem uma discussão prévia sobre o estatuto da região reclamada pelos combatentes pró-russos.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia descreveu o plano do Presidente ucraniano como "irrealista", e disse que os Estados Unidos e a União Europeia deviam apelar à Ucrânia que "deixe de usar artilharia pesada e ataques aéreos contra a população civil e que não destrua escolas e hospitais". Para Sergei Lavrov, Washington e Bruxelas devem "exigir a Kiev a mesma coisa que exigem em qualquer outro conflito".
"Eles têm de se sentar, e não insistir em exigências irrealistas, como a deposição das armas para [os separatistas] se deixarem matar. É isso que defende o plano de paz de Petro Poroshenko", acusou o ministro russo.
O responsável disse ainda que a Rússia não vai intervir militarmente no conflito: "Defendemos unicamente uma solução pacífica para esta grave crise, esta tragédia."
Sergei Lavrov dirigiu muitas das suas palavras aos líderes ocidentais, que acusa de usarem "uma linguagem de ameaças", mas a quem oferece uma "cooperação pragmática".
"Gostaríamos de falar com os nossos parceiros sobre tudo aquilo em que discordamos. Esperamos que eles nos tratem da mesma forma – e não apenas que nos culpem indiscriminadamente de todos os pecados mortais. Queremos que se sentem e que dialoguem, e que façam as suas acusações honestamente. Se isso não acontecer, então teremos de concluir que a crítica é um objectivo em si mesmo, apenas para justificar mais ultimatos e mais sanções", disse Lavrov.
O ministro russo falou também do abate do voo MH17 da Malaysia Airlines, a 17 de Julho, no Leste da Ucrânia, cuja responsabilidade foi atribuída aos separatistas pelos Estados Unidos e pela NATO.
"O conteúdo das caixas negras já deverá ter sido decifrado, mas não está a ser divulgado. Não há informações sobre as conversas que os controladores de tráfego aéreo ucranianos tiveram com aviões nesse dia, incluindo o Boeing da Malásia. Não é claro por que razão isso está a ser escondido", disse Sergei Lavrov.
No sábado, o vice-ministro da Defesa da Rússia, Anatoli Antonov, lançou uma série de questões semelhantes, relacionadas com o facto de não serem ainda conhecidas informações sobre as caixas negras, mas deixou em aberto todas as possibilidades sobre a responsabilidade pela queda do voo MH17, que fez 298 mortos.
"Se há pessoas que dizem que foi disparado um rocket contra um avião militar, então eu gostaria de olhar nos olhos esse piloto que usou um avião civil como cobertura, se de facto foi isso o que aconteceu", disse Antonov, citado pela agência russa RIA Novosti.