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Reportagem: Casa do Povo é o novo nome da sede do partido de Ben Ali

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"Somos todos Mohamed Bouazizi", gritam os manifestantes Foto: Miguel Manso

Como é que se ocupa a sede de um partido que durante 23 anos governou pelo medo uma população inteira? Não custa nada, pelo menos por estes dias. Pelo menos em Sidi Bouzid, a pequena cidade do Centro da Tunísia onde há um mês começou a contestação ao regime do Presidente Zine El Abidine Ben Ali. Basta determinação.

Pelas dez da manhã, a rua principal de Sidi Bouzid, a Habib Bourguiba, nome do primeiro Presidente da Tunísia independente, parece tranquila. Mas bastam poucos minutos para se encher de gente, de gritos, de faixas e cartazes. Uma mulher e dois miúdos pequenos encabeçam a manifestação. As palavras de ordem, simples, repetem-se: "Tunísia livre", "RCD desaparece".

RCD é a sigla francesa da Assembleia Constitucional Democrática, de Ben Ali, o partido quase único a que pertencem muitos ministros do novo Governo de unidade, mesmo se dizem ter rasgado os cartões de militantes.

A gente de Sidi Bouzid percorre a rua Bourguiba, ruidosa mas ordeira. A manifestação, que vai engrossando, passa diante da sede do município sem se deter. Começaram por ser uns 300, agora já são quase 500.

Umas centenas de metros à frente está a sede do RCD. Há homens que levam latas de tinta e gritam "Vamos apagar a placa." A placa está na porta de entrada, no interior do edifício, branco e azul, com um grande pátio, guardado por três soldados. Nela se lê "7 de Novembro", dia em que Ben Ali chegou ao poder, em 1987. É isso que os habitantes de Sidi Bouzid querem apagar.

Alguns tentam trepar o portão. Outros as grades em redor. Os militares começam por sorrir, mas há cada vez mais gente a subir pelas grades e eles perdem a vontade de rir. Um deles dispara e a multidão dispersa-se por momentos. Há quem se atire para o chão. Mas o susto passa depressa.

"Eles estão a disparar para o ar. Não nos querem atingir", diz Ajid Mourab, desempregado de 29 anos. Quem não tem medo instiga quem tem a não fugir.

Bastam quatro ou cinco homens para deitar o portão abaixo. Os primeiros a entrar erguem as mãos para mostrar que vêm em paz. Os restantes erguem o braço em sinal de luta. Os soldados voltam a disparar e um homem cai no chão. "Está esgotado. É apenas isso", diz-nos um amigo.

Os habitantes de Sidi Bouzid estão decididos a só voltar a casa quando a sede do partido de Ben Ali tiver mudado de nome. O pátio enche-se depressa. A manifestação parece caber lá dentro.

Defensores da nação

Os soldados são os únicos perdidos e confusos. Ora tentam afastar as pessoas, ora se afastam eles próprios. Há uma fonte redonda no meio do pátio e vai servir de palco. Sobem todos os homens que nela cabem e, de braços no ar, começam a cantar o hino. "Ó defensores da nação!; Ofereçamos palavras de glória ao nosso tempo!; Nas nossas veias, o sangue ecoa: Morramos, Morramos para que a Pátria viva."

"Não temos nada a perder. Queremos o fim do RCD. Eles já não nos enganam. Uma revolução só termina quando está feita", diz Mohamed Hajloui, de 30 anos, professor de Matemática que nunca ensinou por não encontrar trabalho. Fazer a revolução significa pôr fim ao regime. Não basta a fuga do Presidente.

"Somos todos Mohamed Bouazizi", diz ainda Hajloui. Bouazizi é o jovem vendedor ambulante que se imolou pelo fogo a 17 de Dezembro, ali mesmo, na rua Bourguiba.

Enquanto uns cantam, outros enchem de novas palavras o edifício que simbolizava a repressão. "Glória à revolução", escrevem nas colunas do pátio. "Hoje somos livres, Graças aos revolucionários", pintam nas paredes. "Casa do Povo", escrevem onde encontram espaço e por cima do "7 de Novembro" da placa e ainda lá fora, no topo do portão que já não existe. Acabou-se. Em Sidi Bouzid, já não existe mais RCD.

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