Refugiados: um pouco de história, para memórias curtas
Num continente a precisar de gente jovem, os dirigentes da União Europeia, bem secundados pelas televisões, limitam-se a deitar “gasolina na fogueira”.
Entre 1939 e 1948, durante e no pós guerra, o número de pessoas desenraizadas — devido às fugas, às evacuações, a deslocalizações e aos trabalhos forçados — alcançou perto de 46 milhões, só no centro e leste da Europa.
Para lidar com esta catástrofe humanitária, que sucedeu à catástrofe da própria guerra, foi fundada em Novembro de 1943, a UNRRA — Administração para a Assistência e a Reabilitação das Nações Unidas. E mais tarde em 1946 foi criada a IRO — Organização Internacional dos Refugiados — que funcionou sobretudo na Alemanha e Áustria. Pelos vários campos de refugiados dirigidos por estas organizações, passaram mais de 7 milhões de alemães, 2 milhões de franceses, 1,6 milhões polacos, 700.000 italianos, mais 300.000 checos, holandeses ou belgas e quantidades incontáveis de outras nacionalidades.
Em 1951, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos formalizou a protecção a que tais estrangeiros deslocados teriam direito e, por fim, colocou-os ao abrigo de regressos forçados de que resultasse a sua perseguição.
No mesmo ano, foi adoptada pela Assembleia Geral da ONU convocada em Genebra, a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, que estabeleceu os princípios básicos para o tratamento de refugiados. Esta Convenção limitava no entanto o seu âmbito de aplicação a eventos ocorridos anteriormente a 1 de Janeiro de 1951.
Apesar de após essa data não ter ocorrido nenhuma guerra global, surgiram sucessivamente e às dezenas novos conflitos um pouco por todo o mundo com os consequentes refugiados e deslocados. Tornou-se imperioso estender as garantias da Convenção de 1951 a eventos posteriores. Com esse propósito, em 1967 foi alargado o âmbito de aplicação da Convenção de 1951 a todos os refugiados enquadrados na definição da Convenção de 1951, qualquer que fosse a data dos eventos que lhe deram causa.
De acordo com o seu estatuto, é da competência do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) promover instrumentos internacionais para a protecção dos refugiados e supervisionar a sua aplicação.
Qualquer Estado que tenha ratificado a Convenção de 1951 ou o Protocolo de 1967 está obrigado a cooperar com o ACNUR no desenvolvimento das suas atribuições e a respeitar o Estatuto do Refugiado, ou seja, cumprir as normas básicas da Convenção de 1951: Não discriminar ninguém em virtude da sua raça, religião, sexo e país de origem e respeitar o principio do “non refoulement”, ou seja, não pode “devolver" ao país de origem, alguém que no mesmo possa vir a ser vitima de perseguição.
Após o fim da II Guerra, os Estados europeus estavam profundamente destruídos. Os governos do pós-guerra, encontravam-se por isso receptivos ao acolhimento de mão-de-obra para a reconstrução. Ainda assim, procuravam sempre selecionar os mais convenientes. Os Estados Unidos, por seu turno, aceitaram acolher mais de um milhão de deslocados. Mas nunca houve uma política de braços abertos e as opiniões públicas de cada país sempre mostraram — mesmo nestas circunstancias extremas — muito pouca simpatia pelas políticas de acolhimento. A maioria desejava ver reduzida a imigração.
Mas ontem, como hoje, as pessoas fogem da guerra. Ou os sírios, afegãos e iraquianos, fogem da paz?
Foram as lideranças políticas democráticas do pós-guerra, socialistas e democratas cristãos, que tomaram a seu cargo a implementação de políticas de acolhimento e aprovaram os instrumentos jurídicos de protecção, nalguns casos contra os temores habituais e alguma xenofobia dos seus próprios eleitores.
Tudo muito diferente do que se passa agora. Num continente em completa crise demográfica, envelhecido, com sistemas de pensões insustentáveis, no fundo a precisar de gente jovem, os dirigentes da União Europeia, bem secundados pelas televisões, limitam-se a deitar “gasolina na fogueira”. Parece que não possuem capacidade política e intelectual para lidarem com qualquer situação que ultrapasse a mera gestão de orçamentos, quotas, subsídios etc. Fazem trabalho de “amanuense” bem pago, está visto.
Ouvir um Comissário Europeu a dizer publicamente que esta é a pior crise migratória depois da II Guerra, ainda que o seja, é absolutamente patético. A dimensão das situações é de tal modo diferente que a comparação só pode ser fruto de ignorância, má-fé ou profunda irresponsabilidade.
Ex- Consultor Jurídico do ACNUR e ex- membro da Direcção do Conselho Português para os Refugiados