Referendo da Catalunha não se deve realizar, mas pode ser convocado
Como não cometer uma ilegalidade e manter satisfeitos os independentistas mais ferrenhos? Esse é o desafio de Artur Mas, quando se aproximam datas-chaves para tomar decisões sobre a consulta popular marcada para 9 de Novembro.
A política independentista de Artur Mas na Catalunha não é simples de acompanhar. Sofreu um rude golpe com a confissão no fim de Julho de Jordi Pujol - que governou Barcelona durante 23 anos (1980-2003), e foi a figura tutelar do nacionalismo catalão -, de que há 34 anos mantinha dinheiro escondido na Suíça sem nunca o ter declarado ao fisco.
“A comoção foi tal que alguns temeram que não se pudesse levar por diante o processo independentista”, escreveu no El País Francisco Morente Valero, professor de História na Universidade Autónoma de Barcelona. O que aconteceu foi um rápido renegar de Pujol pela Convergência Democrática da Catalunha, o partido dele e de Mas, “até ao ponto que hoje poder parecer que o Molt Honorable nunca teve nada a ver com eles”, diz o historiador.
Mas as perspectivas do referendo sobre a independência catalã já não estavam brilhantes antes do caso Pujol.
As inscrições para a participação na Diada deste ano – 11 de Setembro, o dia em que se celebra a independência da Catalunha – estão abaixo das dos dois anos anteriores e, por isso, aquém das perspectivas. Nesta quinta-feira, no site Ara és l'hora, onde os cidadãos podem dar o seu nome para participar na tentativa de formar um “V” ocupando duas importantes artérias de Barcelona – a Diagonal e a Gran Via de les Corts Catalanes – registava 220 mil inscrições. No ano passado, em meados de Agosto, eram 300 mil, diz o El País.
Artur Mas sempre disse que não iria violar a lei e o Governo de Madrid não abrandou nem um centímetro a sua oposição à consulta popular. O Executivo de Mariano Rajoy planeia apresentar dois recursos contra os próximos passos legislativos do governo autonómico de Barcelona, noticiava nesta quinta-feira o jornal El Mundo.
Um deles será contra a Lei de Consultas, que o parlamento catalão deverá aprovar a partir de 15 de Setembro, quando se iniciará o debate de política geral – que se pretende que coincida com o referendo sobre a independência na Escócia, a 18 de Setembro, o grande referencial para os independentistas catalães.
O outro recurso a apresentar pelo Governo central será contra o decreto oficial da convocatória do referendo catalão, que se espera que o presidente da Generalitat aprove na semana seguinte – antes do feriado da Mercè, a 24 de Setembro.
Se todos estes passos forem dados, Rajoy sempre disse que recorreria ao Tribunal Constitucional, para impedir que avançassem. E face a este obstáculo, o que Artur Mas e os seus próximos dizem em privado – dizem os jornais El Mundo e El País – mas não assumem em público, é que não se realizará o referendo. Mantêm-se calados sobre o que farão, firmes na posição assumida na reunião que o presidente da Generalitat teve a 30 de Julho, quando foi recebido por Rajoy no Palácio da Moncloa e se comprometeu a não revelar a sua decisão até ter uma indicação sobre o eventual cenário de impugnação do referendo pelo Governo central, através do envio dos diplomas legais catalães para o Tribunal Constitucional.
A gestão deste recuo, no entanto, é algo escorregadia. Artur Mas tem de manter a paz com Madrid e ao mesmo tempo tentar agradar aos seus parceiros na coligação governamental da Generalitat, a Esquerda Republicana, que não está sequer interessada numa “solução B”. “Se tivermos de ficar sozinhos a defender a independência, ficaremos, como já estivemos muitos anos”, afirmou o líder deste partido, Oriol Junqueras.
“Se o Estado não nos deixa votar, temos de persistir. Não renunciaremos ao direito de voto num referendo, porque consultas populares assim não se fazem a toda a hora no mundo, só se fazem eleições”, apontou Junqueras.
Se afinal não houver referendo, há várias opções possíveis: se perder o apoio da Esquerda Republicana, procurar um novo parceiro parlamentar para que a Convergência Democrática da Catalunha chegue ao fim da legislatura, fazer uma declaração unilateral de independência – o que significa o confronto aberto com Espanha –; ou então convocar eleições antecipadas, com ou sem carácter plebiscitário. Uma possibilidade seria uma candidatura conjunta da Convergência com a Esquerda Republicana – mas não é certo que os republicanos, que ganharam as últimas eleições, aceitassem ir a votos com a direita nacionalista.
O novo líder do PSOE, Pedro Sanchéz, tenta marcar pontos na cena política nacional, encontrando-se com Artur Mas em Barcelona a 3 de Setembro, antes da Diada, com o objectivo de tentar convencer o catalão que a verdadeira saída para esta crise é uma reforma constitucional, que torne Espanha um Estado federal – uma posição já anteriormente defendida pelos socialistas espanhóis. “A crise territorial da Catalunha tornaram urgente a necessidade de renovar a nossa arquitectura, mas já há algum tempo que a necessidade existia: há que renovar as competências a nível autonómico, local e estatal, e construir um modelo de convivência territorial adaptado à sociedade do seculo XXI.”