Reestruturação da dívida grega, o (muito) que já foi feito
É simples: o rácio não desce porque a dívida à tróica é contabilizada pelo seu valor nominal e não pelo seu valor real. Suponham uma dívida de 100 que tinha de ser paga a 10 anos e cujo prazo foi alargado para 20 anos. A uma taxa de 3%, o valor efectivo da dívida caiu 25%. Ou seja, na prática, perdoou-se um quarto da dívida. No entanto, como a tróica regista a dívida pelo seu valor nominal, essa redução não aparece.
A negociação da tróica com a Grécia é muito sui generis. De acordo com diversos autores (leia-se Paul de Grauwe*), o valor da dívida não é de 180% do seu PIB, mas metade. Enquanto os governos da tróica estão a gritar que a Grécia tem de pagar tudo, a verdade é que já perdoaram, sem que os seus eleitorados o percebessem, metade da dívida grega. Se adicionarmos o haircut que houve em 2012, chega-se à conclusão de que a dívida grega já foi fortemente reestruturada, tendo sido perdoado cerca de 120% do PIB.
Assim sendo, parece bastante absurda esta forma do actual governo grego negociar, gritando aos quatro ventos que a dívida precisa de ser reestruturada, quando sabe que, no passado, com discrição, já foi reestruturada. Ao gritar, alerta os eleitorados de 18 países para o perdão de dívida que está a pedir, dificultando a vida dos governos que respondem perante esses eleitorados. Convenhamos que pedir dezenas de milhares de milhões de euros emprestados ao mesmo tempo que se grita que não se pode pagar é uma estratégia negocial estranha.
Por outro lado, como aponta Paul De Grawe, não se compreendem as exigências que a tróica continua a fazer em matéria orçamental. São excessivas, dada a magnitude do problema. Seria preferível serem mais exigentes com as reformas estruturais, de forma a tornar a Grécia mais competitiva. É que para baixar o rácio da dívida pública com o PIB pode-se reduzir o numerador (a dívida) ou aumentar o denominador (o PIB). Relaxar as exigências com os saldos orçamentais permitirá ao PIB crescer um pouco mais no curto prazo. Já as reformas estruturais são essenciais para que o crescimento persista a longo prazo.
* Paul De Grawe (2015), “Greece is solvent but illiquid: Policy implications”, http://www.voxeu.org/article/greece-solvent-illiquid-policy-implications