Putin culpa "vencedores da Guerra Fria" pela crise na Ucrânia
Conversações de paz em Minsk ainda podem não se realizar.
"As promessas de não alargamento da NATO ao Leste, feitas às autoridades soviéticas, foram declarações vazias. Temos visto a infra-estrutura da NATO a chegar cada vez mais perto das fronteiras da Rússia e os interesses russos a serem ignorados", disse Putin numa entrevista ao diário egípcio Al-Ahram, publicada nesta segunda-feira.
Depois de um fim-de-semana passado em Moscovo a discutir um plano de paz para a Ucrânia em que poucos acreditam, Putin partiu para o Egipto, numa tentativa de alargar a sua influência junto do Presidente Abdel Fattah al-Sissi, aproveitando um momento de maior fragilidade nas relações entre o Cairo e Washington.
Na entrevista ao Al-Ahram, o Presidente russo criticou também a parceria da União Europeia com os países do Leste europeu, que descreve como "uma tentativa de afastar da Rússia os Estados que fizeram parte da antiga União Soviética, levando-os a fazerem uma escolha artificial entre a Rússia e a Europa".
Ao agravamento da situação no Leste ucraniano o Ocidente respondeu com sanções económicas, que têm sido reforçadas ao longo do último ano. Esperava-se que os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia autorizassem esta segunda-feira mais um reforço dessas medidas, mas a decisão foi adiada para a próxima semana – os governantes querem aguardar pelos resultados da reunião marcada para quarta-feira, em Minsk, entre Vladimir Putin, a chanceler alemã, Angela Merkel, e os Presidentes de França, François Hollande, e da Ucrânia, Petro Poroshenko.
"A decisão sobre o tipo de sanções e as pessoas abrangidas foi tomada, mas só será publicada na segunda-feira, para que possa decorrer a reunião em Minsk. Se, no fim, houver êxito, as sanções podem ser revogadas", disse à Lusa o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete. No entanto, as hipóteses de todas as partes chegarem a acordo esta semana é muito reduzida, como admitem os próprios líderes envolvidos nas conversações.
Na entrevista ao jornal egípcio, Putin disse que não haverá "estabilização" sem um cessar-fogo imediato mas, acima de tudo, deixou claro que os rebeldes pró-russos têm de ser reconhecidos como interlocutores, uma ideia que dificilmente será aceite pelo Governo de Kiev.
O plano preparado por François Hollande e Angela Merkel visa aplicar os acordos de paz concluídos há cinco meses, em Minsk, prevendo uma maior autonomia para as regiões rebeldes e aceitando a actual linha de frente – outra solução inaceitável para as autoridades de Kiev. Neste momento, os separatistas, ocupam mais 500 km2 do que em Setembro.
Por isso, é ainda incerto que as partes se juntem em Minsk na quarta-feira, sublinhou o chefe da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeier.
O agravamento da situação na Ucrânia levou também os EUA a ameaçarem enviar armas para o Exército ucraniano, uma ideia mal vista pela maior parte dos países da União Europeia, principalmente pela Alemanha. Os dois lados do Atlântico têm-se desdobrado em declarações para mostrarem que continuam unidos na estratégia para lidar com a Rússia, mas os avanços dos separatistas no terreno e o receio do alargamento do conflito levam alguns analistas a aconselharem prudência. "Enviar armas para a Ucrânia não vai salvar o seu Exército e vai provocar uma escalada dos combates. Este passo é particularmente perigoso porque a Rússia tem milhares de armas nucleares e está a procurar defender um interesse estratégico vital", escreve no jornal The New York Times John J. Mearsheimer, professor de Ciência Política na Universidade de Chicago e autor do livro A Tragédia da Política das Grandes Potências (Gradiva, 2007).
"É essencial que a Rússia ajude a pôr fim aos combates no Leste da Ucrânia, e que Kiev volte a assumir o controlo dessa região. Ainda assim, as províncias de Donetsk e Lugansk devem ter uma grande autonomia, e a protecção da língua russa deve ser uma prioridade", defende o especialista.
Embora por outras razões, também a jornalista norte-americana Anne Applebaum considera que os Estados Unidos não devem enviar armas para a Ucrânia. Applebaum escreve no The Washington Post que o debate sobre o envio de armas é "um argumento sobre tácticas de curto prazo, e não uma estratégia a longo prazo – e ignora a verdadeira natureza do jogo russo". Ao contrário de John J. Mearsheimer, Applebaum defende o reforço do papel da União Europeia junto da Ucrânia, com vista à sua integração "ao longo de vários anos". "Não queremos uma nova Guerra Fria – mas até isso seria preferível a uma nova Guerra Mundial. E se não definirmos uma estratégia séria para a evitarmos, é isso mesmo que teremos."
A finalidade desta guerra não é a vitória. A finalidade é impedir o aparecimento de algo que se assemelhe a uma Ucrânia europeia e próspera, porque um Estado desse tipo seria uma ameaça ideológica para o Putinismo." Nem um eventual cessar-fogo irá levar a paz ao Leste da Ucrânia – no máximo, escreve a jornalista, o fim dos combates terá como resultado a criação de um "conflito congelado", à semelhança do que acontece na Moldova e na Geórgia.