Primeira lei do novo Governo grego é de luta contra a pobreza
Tensão entre Atenas e credores mantém-se. Mal-estar voltou a perceber-se pela reacção grega à defesa de “consultas” prévias à votação da lei.
O ambiente que rodeou a aprovação da primeira lei do “Governo de salvação nacional”, como lhe chamou o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, confirma que o diálogo entre o executivo de Atenas e os credores continua tenso, numa altura em que decorrem negociações que permitam à Grécia receber a última fatia do empréstimo da troika: cerca de sete mil milhões de euros.
Mas mostrou também um grande consenso interno sobre a necessidade de uma resposta humanitária à crise. Para além do natural apoio dos Gregos Independentes, parceiro nacionalista do partido de esquerda Syriza, o projecto recebeu os votos favoráveis dos conservadores da Nova Democracia, principal força da oposição, e dos socialistas do Pasok.
O diploma dá forma a promessas eleitorais do Syriza de responder à “crise humanitária”. Prevê o fornecimento de 300 kw de electricidade gratuita até ao fim do ano a famílias que não a podem pagar, apoios ao arrendamento que podem ir de 70 a 220 euros mensais e ajuda alimentar a cerca de 300 mil pessoas. Inclui também, segundo a AFP, medidas de auxílio a desempregados e a pessoas que ficaram sem Segurança Social. Está ainda prevista a criação de um “secretariado” de luta contra a corrupção.
O mal-estar entre Atenas e os credores voltou a tornar-se visível, depois de, na terça-feira, o Governo ter reagido com dureza a informações que entendeu como pressão da Comissão Europeia para evitar a aprovação do pacote social. As reacções aconteceram após a publicação de um texto no blogue do jornalista Paul Mason, do Channel 4 News britânico, segundo o qual o representante europeu no grupo de credores, Declan Costello, recomendou “consultas” prévias à votação da lei.
Segundo a transcrição feita pelo jornalista de uma mensagem, Costello escreveu: “Recomendamos vivamente consultas políticas prévias”, para avaliar a coerência com os “esforços de reformas”. “Fazer de outra forma seria proceder unilateralmente e de modo fragmentário, o que não seria coerente com os compromissos assumidos, nomeadamente no Eurogrupo de 20 de Fevereiro”.
A mensagem teria também em mente uma segunda lei que o Governo grego tem na forja – permitir o pagamento fraccionado de impostos em atraso.
Sem se referir em concreto ao texto de Declan Costello, Gabriel Sakellarides, porta-voz do executivo grego, falou em “veto” e em “pressão”.
O comissário europeu Pierre Moscovici também reagiu depressa para dizer que Bruxelas defende “plenamente o objectivo de ajudar os mais vulneráveis” e negou “um qualquer veto” a medidas urgentes de natureza humanitária. Costello “quis sublinhar que há um acordo-quadro e que as autoridades gregas devem trabalhar com as instituições, o que implica consultas” para “avaliar o impacto orçamental”, disse o comissário.
Atenas “não tem medo”
Mas, já depois da declaração de Moscovici, Tsipras disse que o seu Governo “não tem medo” de “ameaças”. A primeira lei do novo executivo “responde com determinação a alguns dos nossos credores, a alguns tecnocratas, que dizem que as medidas contra a crise humanitária constituem uma acção unilateral”, afirmou, citado pela AFP.
“Em nome de que Europa se ousa falar de acção unilateral”, quando se trata de lutar contra a pobreza, questionou, indignado, o chefe do Governo grego. “Alguns pediram-nos para congelar essas leis, nós respondemos votando essas leis.”
Alexis Tsipras declarou-se, contudo, “aberto a propostas internas e externas”. Manifestou o desejo de “respeitar o acordo de 20 de Fevereiro” com os credores, mas disse que “os parceiros devem fazer o mesmo”. O entendimento do mês passado prolongou por quatro meses a ajuda financeira à Grécia, mas a libertação de fundos está dependente de uma avaliação positiva dos credores.
A incerteza sobre a evolução da situação grega reflectiu-se na Bolsa de Atenas, que encerrou a sessão desta quarta-feira a perder 4,13%. Os bancos caíram 8,26% e as taxas de obrigações gregas a dez anos subiram para 11,185%