Portugueses no Brasil “à espera para ver o que acontece”
Seja qual for o resultado das eleições, o que os imigrantes parecem querer é crescimento económico. Retoma pode abrir caminho para desburocratização de vistos para trabalhadores qualificados.
Rui e a namorada, Maria Peixoto, de 31 anos, também portuguesa e engenheira civil, gostam da vida que levam na capital do Paraná. Mas o “crescimento desastroso do PIB” não os encoraja a ter filhos e construir um futuro no país. “Não havendo investimento, não há trabalho na engenharia civil”, conclui Maria, durante uma conversa via Skype. Não têm um candidato predilecto. E dizem ter acompanhado a campanha eleitoral com alguma distância, como todos os portugueses contactados pelo PÚBLICO.
João Laranjeiro, 40 anos, tem uma postura parecida: não vive as presidenciais de forma apaixonada, mas está expectante para perceber como a economia vai se comportar. “Como se diz aqui, estou à janela à espera para ver o que acontece”, diz o gestor de remarketing de uma empresa de gestão de frota automóvel. João vive há mais de uma década em São Paulo, onde diz estar feliz e integrado. Apesar do desaceleramento da economia, não acredita na teoria da bolha que vai estourar a qualquer momento. “É uma bolha que vai desinchar mas não estourar, há muito consumo interno”, prevê. Por isso, até ver, não pensa em regressar.
Rubens Barbosa — ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington e especialista em migrações do Instituto Millenium — corrobora a ideia de que, nestas eleições, o que está em cima da mesa é a prosperidade. “O que interessa para os imigrantes é mesmo o crescimento económico”, independentemente do resultado eleitoral. Esta é a parte evidente da questão. A menos óbvia, mas nem por isso menos urgente, é a definição de uma política clara de imigração, um assunto que esteve adormecido durante a campanha eleitoral.
Definir políticas de imigração
O discurso dos novos imigrantes é marcado por queixas como a burocracia dos vistos, a precariedade e a demora no reconhecimento dos diplomas. Quem o diz é Marta Rosales, investigadora do Instituto de Ciências Sociais e coordenadora do projecto “Travessias do Atlântico”, financiado pela Fundação Ciência e Tecnologia. “A maior parte entra com visto de turista ou estudante e depois fica no país. Vêem a migração como uma experiência, não é uma decisão para a vida. Muitos dizem que vão ficar enquanto estiver a dar”, afirma a antropóloga.
Rubens Barbosa lamenta que não haja ainda no Brasil a preocupação, comum em outros países, de atrair imigrantes qualificados. “Eu acho que agora, depois da eleição, esse tema vai voltar. Porque se a gente voltar a crescer, como se espera, colocando ordem na economia, vão aparecer dificuldades para atender à demanda qualificada”, afirma. Na sua opinião, qualquer que seja o resultado eleitoral, “a necessidade vai determinar a urgência do assunto”.
Não é tarefa simples mudar-se para o Brasil com um diploma ou uma ideia de negócio na mão. Ana Paula Costa, por exemplo, que vive há nove anos no país, conta que foi “muito complicado” obter visto como investidora. “Demorou muito tempo, nem os advogados brasileiros sabiam muito bem como conduzir o processo”, conta a empresária de 53 anos, que já teve uma pousada em Maceió e hoje vive em Florianópolis.
A engenheira Maria Peixoto também sentiu bastante dificuldade em obter o visto. “As empresas brasileiras resistem em contratar estrangeiros porque assim têm encargos muito maiores”, explica Maria. Já Ivone Barreira, 23 anos, obteve facilmente o visto porque entrou no país como estudante. Cursa um mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas tem planos para, uma vez graduada, lutar para encontrar um emprego e, assim, poder continuar no Brasil. Já estagiou, aliás, durante dez meses na delegação carioca de uma agência das Nações Unidas. “É muito difícil viver aqui, a cidade é muito cara, mas gostava de ficar”, confessa.
Nem tudo é economia
Se o desinteresse pela política local é um traço comum entre os imigrantes, a preocupação central com a economia não é obrigatoriamente uma regra. “Os problemas sociais são tão sérios que, sinceramente, para mim, as questões económicas passam a ser secundárias”, confessa Hugo Gonçalves, escritor português de 38 anos que vive há três no Rio de Janeiro, onde trabalha como editor da Língua Geral. É claro que precisa de manter o emprego, mas o que o preocupa de facto é a incapacidade de o país mitigar problemas sociais como, por exemplo, a violência, a homofobia e o elitismo que circunda a prática segura do aborto.
“Nos últimos quatro anos morreram assassinadas no Brasil 206 mil pessoas. É um número assustador: são 50 mil pessoas assassinadas por ano. Na guerra do Iraque, morreram menos de cinco mil soldados americanos. Mas não vês no debate eleitoral um só comentário sobre isto. Não é um tema prioritário”, indigna-se Hugo.
Além da economia, os portugueses que o PÚBLICO ouviu esperam melhorias na área da saúde, segurança e educação. Mas estas aspirações são, de resto, um aspiração transversal a toda população brasileira. São desejos universais que inspiram, há décadas, promessas dos vários quadrantes políticos sem nunca terem sido substancialmente atendidos. E daí, talvez, a descrença e o desinteresse na actividade política.
“Vivi em vários países e sempre me interessei pela política local. Mas o meu interesse pela política cá é zero. É claro que se fosse brasileiro, e fosse obrigado a votar, a minha posição não seria tão confortavelmente distante. E aí ia ser difícil. Provavelmente votaria em branco”, confessa Hugo.