Parlamento espanhol rejeita pedido catalão para referendar independência
"Não concebo uma Catalunha fora de Espanha e da Europa”, disse Rajoy. O povo catalão “iniciou um caminho sem retorno", garantiu no Parlamento nacional o enviado da CiU, partido no poder em Barcelona.
“Senhores, eu amo a Catalunha como amo o resto das comunidades. Valorizo muito o que nos traz a sua língua, a sua cultura, o seu amor ao trabalho”, disse o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, afirmando não poder “conceber uma Catalunha fora de Espanha e da Europa”. Oferecendo em troca de um referendo uma revisão da Constituição que implicaria um fortalecimento dos poderes autonómicos, o líder da oposição socialista, Alfredo Pérez Rubalcaba, terminou a sua intervenção dizendo que votar “não” era a melhor maneira de defender Espanha e Catalunha. Também o primeiro-ministro abriu a porta a uma revisão constitucional, dizendo ao presidente da Generalitat (governo regional), Artur Mas, que "quem não está contente" pode sempre iniciar esse processo.
O debate tinha sido marcado para discutir um pedido de transferência de competências – os deputados catalães não podem organizar um referendo, mas o Congresso nacional pode ceder essa capacidade a um parlamento regional. “Vão dizer não a uma lei, mas não poderão parar a vontade do povo da Catalunha”, dissera no domingo Artur Mas.
Após sete horas de debate, na noite desta terça-feira, os deputados rejeitaram, como previsto, o projecto de referendo por uma esmagadora maioria de 299 votos contra, 47 a favor e uma abstenção. Do lado do contra o Partido Popular, de Mariano Rajoy, e os socialistas, além de parlamentares de pequenas formações políticas: UPyD, UPN e Foro Asturias.
Ao contrário do que fez em 2005 Juan José Ibarretxe, quando o Congresso debateu um plano basco que incluía a realização de uma consulta, o líder catalão decidiu não estar presente em Madrid: segundo os seus próximos, fê-lo para sublinhar que esta não é a causa de uma pessoa; para a líder do PP catalão, Alicia Sánchez-Camacho, a ausência de Artur Mas só se pode explicar com “falta de coragem política”.
As forças nacionalistas e independentistas, maioritárias em Barcelona desde as eleições de Novembro de 2012, comprometeram-se a continuar com o processo de autodeterminação e a realizar uma consulta, independentemente da posição do Governo do Partido Popular (PP) e do Partido Socialista (PSOE). Repetidas sondagens mostram que um pouco mais de metade dos catalães defendem actualmente a independência mas são muitos mais (nalguns inquéritos 80%) os que acreditam ter direito a decidir sobre isso num referendo.
Na ausência de Artur Mas, a defesa do “direito a decidir” ficou a cargo de três representantes enviados pelo parlamento catalão e dos seus aliados no Congresso. Josep Antoni Duran i Lleida, porta-voz do Grupo Catalão no Parlamento e líder da UDC (partido conservador que na Catalunha se uniu à Convergência de Artur Mas e formar a CiU, no poder), insistiu na disponibilidade para o diálogo que garante continuar a existir da parte dos líderes catalães e a faltar ao Governo de Madrid. “Estamos dispostos a negociar tudo. E tudo significa tudo”, disse. Mas avisando que “esse diálogo, essa negociação” deve ser “submetido a uma “votação popular”.
Duran i Lleida lembrou que o parlamento catalão pediu para realizar um referendo “consultivo”, não vinculativo. “Não fechem as portas que o Tribunal Constitucional deixou abertas ao diálogo”, pediu ao PP e ao PSOE. Em Março, o Constitucional espanhol declarou ilegal a declaração de soberania que o parlamento catalão aprovou em Janeiro, mas reconheceu ao mesmo tempo o “direito a decidir” do povo catalão, desde que este seja exercido no respeito pela Constituição.
Para o PP e para o PSOE a consulta que a maioria dos partidos catalães quer ver realizada é claramente anticonstitucional – a Constituição estabelece a unidade de Espanha e tudo o que a ponha em causa contraria a Lei Fundamental. Para os defensores da consulta, em causa não está a legalidade mas a falta de vontade política.
A soberania espanhola
“Isto não é um processo jurídico, é um processo político”, disse Duran i Lleida. “É gravíssimo refugiar-se na Constituição para não resolver um problema político.” Rubalcaba justificou o seu voto com a lei: “Vocês pedem-nos que o Estado vos transfira uma competência que na verdade não temos”. Rajoy já fizera o mesmo, defendendo que “não é possível atender ao que solicita o parlamento da Catalunha porque a Constituição não o permite”. E ainda: “Não posso dialogar sobre a soberania espanhola porque não é minha, é do povo espanhol”.
Os representantes catalães falaram da “frustração” face à forma como a rica região do Norte de Espanha é tratada em Madrid. “Temos a impressão de que não nos aceitam como somos, a nossa forma de pensar, a nossa forma de falar, a nossa forma de sonhar”, afirmou Marta Rovira, porta-voz da Esquerda Republicana (ERC). “Não é verdade que a Catalunha sofra uma opressão insuportável. Não é verdade que asfixiemos a língua [catalã], que ataquemos o bem-estar social”, respondeu Rajoy.
Foi em Setembro de 2012 que esteve processo começou. A 11 de Setembro, na Diada, dia em que os catalães assinalam a derrota da região na Guerra da Sucessão, e a integração definitiva no Estado espanhol, uma manifestação sob o lema “Catalunha, o novo Estado da Europa” juntou pelo menos um milhão de pessoas no que o jornal El País descreveu como “o tsunami de Barcelona”. Foi nesse dia que, pela primeira vez, Artur Mas falou abertamente na necessidade de um estado catalão.
Nesse dia começou aquilo que esta terça-feira Jordi Turull descreveu como “caminho sem retorno” e que já levou o parlamento catalão a aprovar a realização de um referendo para dia 9 de Novembro deste ano. O povo catalão, afirmou o porta-voz da CiU, “iniciou um caminho sem retorno, um caminho democrático e pacífico para decidir o seu futuro.” Depois do antecipado chumbo, os responsáveis catalães devem indicar nos próximos dias como pretendem continuar a avançar nesse caminho.