Papa diz a Peres e Abbas para terem “coragem” para fazer a paz

Francisco disse que não é um mediador. Ofereceu "a sua casa", o Vaticano, para uma tarde de orações pelo Médio Oriente. O israelita pediu a "paz entre iguais". O palestiniano um "Estado soberano e independente".

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Francisco partilha da ideia de que intervenção papal é uma coisa natural AFP/FILIPPO MONTEFORTE
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Shimon Peres cumprimenta Mahmoud Abbas sob o olhar do anfitrião Francisco AFP/FILIPPO MONTEFORTE
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O Papa Francisco e o Presidente palestiniano antes da oração deste domingo REUTERS/Riccardo De Luca
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Francisco beija o Presidente israelita, Shimon Peres REUTERS/Riccardo De Luca
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Mahmoud Abbas, o Papa Francisco e Shimon Peres à chegada para a oração conjunta REUTERS/Max Rossi
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Mahmoud Abbas durante o discurso nos jardins do Vaticano REUTERS/Max Rossi
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Palestinianos acenam bandeiras durante a missa da manhã na Praça de São Pedro REUTERS/Giampiero Sposito
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No dia em que Peres e Abbas se encontraram no Vaticano, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou novas restrições aos direitos dos palestinianos AFP/MENAHEM KAHANA

O Papa pediu a ambos os líderes “coragem” para fazer a paz, dizendo que “é preciso mais coragem para fazer a paz do que a guerra”. “É preciso coragem para dizer sim às negociações e não às hostilidades, sim ao respeito dos acordos e não às provocações, sim à sinceridade e não à duplicidade”, disse Francisco. “Senhor, desarma a língua e as mãos! Que o estilo da nossa vida seja shalom, paz, salam!”

O Presidente Shimon Peres, pelo seu lado, disse desejar “uma paz entre iguais” para israelitas e palestinianos. “A nossa missão é conseguir levar a paz aos nossos filhos.”

Já Mahmoud Abbas fez uma oração mais directa: Pela "paz global e justa para o nosso país e para a nossa região”, que dê "a liberdade no nosso Estado soberano e independente.”

O Vaticano procurou equilibrar um baixar de expectativas com entusiasmo. “Ninguém é suficientemente presunçoso para achar que vai haver paz na segunda-feira”, comentou um dos responsáveis pela organização do encontro, Pierbatista Pizzaballa.

O próprio Papa tinha dito que não queria mediar negociações – as que foram promovidas pelo secretário de Estado norte-americano, John Kerry, acabaram de ruir depois de Israel se retirar após um acordo interpalestiniano do qual saiu um Governo entre a Fatah, de Mahmoud Abbas, e o Hamas, considerado por Israel e pelos EUA um movimento terrorista. Mal aterrou em Roma, Peres fez questão de falar sobre o novo executivo. “Não vai durar, não se pode pôr água e fogo no mesmo copo”, comentou. “Uns apoiam o terrorismo, outros não.”

Mas os aliados diferem na abordagem, com os norte-americanos a defenderem pragmatismo em relação ao novo Governo e Israel a não o aceitar. O Estado hebraico anunciou ainda a construção de mais 3200 casas em colonatos, provocando a condenação de Washington.

“Este encontro não vai ser para fazer mediação ou encontrar soluções”, disse o Papa depois de ter convidado os dois líderes para “a sua casa”. “Só nos vamos encontrar para rezar. Depois vamos todos para casa”, explicou. “As medidas concretas terão de ser estabelecidas apesar da mediação. Para ser honesto, não me sinto competente para dizer que precisamos disto ou daquilo. Seria uma loucura da minha parte.”

Apesar das expectativas baixas, Pierbatista Pizzaballa (um franciscano que no Vaticano tem a pasta da Terra Santa) disse que “uma pausa para parar e respirar tem estado ausente há algum tempo” e que o encontro poderá “reabrir uma via que tem estado fechada, recriar um desejo, uma possibilidade, fazer as pessoas sonhar.” E acrescentou: “Nem tudo é decidido pela política.”

Comentando a iniciativa inédita e surpreendente do Papa - que convidou os dois líderes na sua recente viagem à Jordânia, Palestina e Israel) , Andrea Tornielli, que cobre o Vaticano para o jornal italiano La Stampa, disse ao Jerusalem Post que “este é um Papa que acredita verdadeiramente no poder da oração, de que esta pode ajudar a resolver os problemas mais intrincados”. Um tweet do Vaticano parecia confirmar esta visão. “A oração é toda-poderosa. Vamos usá-la para trazer a paz ao Médio Oriente”, dizia a conta o Papa no site de microblogging.

Há quem veja as coisas de outro modo: “Na América Latina, a ideia de intervenção papal é uma coisa natural”, comentou ao New York Times Philip Jenkins, professor de História no Instituto para Estudos Religiosos da universidade Baylor. O Papa argentino terá visto o papel do Vaticano na política da América Latina, por exemplo na mediação de uma disputa no final dos anos 1970 entre a Argentina e o Chile. Apesar disso, nunca antes tinha acontecido um convite para rezar conjuntamente no Vaticano aos líderes de duas nações envolvidas num conflito.

Esperava-se que após as preces, Peres e Abbas – que se conhecem já desde os acordos de Oslo de 1993 que ambos assinaram – se encontrasse e aí sim tivessem uma discussão política. No caso de Israel, Peres está em contacto com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, ele sim, o responsável que decide a orientação política em relação ao não existente processo de paz. Peres não só não tem qualquer palavra a dizer nesta matéria, como está quase a retirar-se da presidência.

Juntar-se para rezar, não rezar juntos

O Vaticano não teve só cuidado com a parte da leitura política. Houve um grande cuidado em apresentar o encontro como uma reunião para rezar e não como uma oração conjunta.

A sequência das orações, feitas por representantes das três religiões, foi feita pela ordem cronológica da sua fundação: primeiro o judaísmo, seguido do cristianismo e depois o islão. Focaram-se em três temas: “criação”, “invocação do perdão” e “invocação da paz”, tinha adiantado o Vaticano.

Francisco deu as boas vindas aos dois líderes e foi, entre eles, pelos jardins do Vaticano, até ao local do encontro.

“Reunimo-nos aqui, israelitas, palestinianos, judeus, cristãos e mulçulmanos, para que cada um de nós possa expressar o seu desejo por paz na Terra Santa e para todos os que lá vivem”, disse o mestre de cerimónias. Começaram então as orações em italiano, hebraico, árabe e inglês.

As orações não foram conjuntas para evitar o sincretismo, o apagar de diferenças entre elas. A última oração conjunta, levada a cabo em 1986 por João Paulo II com o Dalai Lama, rabinos, muftis, shintoistas, protestantes, animistas, entre outros, levou a alguma indignação nos círculos católicos, e Francisco terá querido evitar polémica, não havendo uma prece partilhada. “Eles não vão rezar juntos”, sublinhou Pizzaballa. “Eles vão-se juntar para rezar.”

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