Os homens das bolsas verdes que salvaram vidas nas praias da Normandia

Como se tratam os feridos no meio de um desembarque sob fogo? Muitas vezes só há tempo para deixar uma etiqueta atada ao dedo do soldado informando o estado dele a quem vier depois. É esta a história dramática que contam os objectos da II Guerra agora expostos no Museu da Farmácia.

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José Maria Ferreira
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Sob fogo cerrado dos alemães, os primeiros soldados que desembarcaram nas praias da Normandia – Omaha, a “sangrenta”, ficou a mais famosa – tinham escassas hipóteses de sobrevivência e uma esperança de vida de poucos segundos.

No meio destes homens iam alguns com uma missão muito específica: os paramédicos. Tinham armas e combatiam para sobreviver, mas tinham como principal tarefa identificar os feridos e ajudá-los naquilo que fosse possível. O que, numa praia cheia de obstáculos montados pelo Exército alemão, e sob uma chuva de balas disparadas em rajadas de posições mais altas, era quase impossível.

Em cima da mesa de trabalho de João Neto, director do Museu da Farmácia, em Lisboa, estão duas pequenas bolsas verde-tropa com uma alça para usar a tiracolo. Não era possível aos paramédicos que acompanhavam a linha da frente transportar muito mais do que isso. Entre outras coisas, levavam nas bolsas um caderno de cor azul-desmaiado, com etiquetas e, em baixo, um conjunto de fios.

“As etiquetas para os feridos foram uma invenção das guerras napoleónicas”, explica João Neto. Era uma forma de dar uma informação muito sucinta sobre o estado do ferido que, em princípio, seria encontrado por outros médicos quando os combates acalmassem, e que, na maior parte dos casos, não estaria em condições de falar. Mas, debaixo de fogo, não seria fácil preencher uma ficha com tantos elementos. Os paramédicos limitavam-se a escrevinhar alguma coisa sobre os ferimentos e o estado do soldado, e atavam essa etiqueta a alguma parte do corpo.

O livro azul-pálido com as etiquetas é uma das peças que vão estar em exposição no Museu da Farmácia para assinalar os 70 anos do desembarque na Normandia. “Em 2008 houve em Munique um grande leilão com peças de uma colecção de dois irmãos franceses que viviam na zona da Normandia e que durante muito tempo reuniram tudo o que encontravam ligado à II Guerra Mundial”, conta João Neto.

A colecção chegou a ser apresentada num museu, mas o Estado francês não quis ficar com ela, e as peças acabaram leiloadas. Foi nesse leilão que o Museu da Farmácia comprou as duas bolsas, cujos conteúdos estão agora em exposição, juntamente com os 18 minutos iniciais do filme O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, que mostra precisamente o desembarque dos soldados americanos na praia de Omaha no dia D.

Sendo este um Museu da Farmácia, o que interessa a João Neto é contar a história desses homens que levavam as bolsas verdes e que tinham de cuidar dos feridos. O conteúdo das bolsas, espalhado sobre a mesa, parece desesperantemente escasso para a tarefa. “Ligaduras e material para fazer os garrotes eram essenciais. O mais importante era estancar as feridas, para impedir que os homens sangrassem até à morte, e tapá-las, porque no campo de batalha não havia tempo para as coser”, explica o director. Os alfinetes-de-ama, que aparecem aqui também, serviam para segurar essas ligaduras.

Mas antes disso era preciso tentar combater as infecções. “Na I Guerra Mundial, grande parte das mortes deu-se não pelas balas mas pelas infecções provocadas pelos ferimentos.” Por isso, aprendida a lição da guerra anterior, nas bolsas onde também transportavam analgésicos – à base de ópio, por exemplo – os paramédicos levavam pequenos tubinhos de vidro com pós de sulfonamidas, que deitavam sobre as feridas.

Só que “as sulfonamidas não resolviam tudo”, e é então que entra em cena aquela que João Neto descreve como “um dos grandes segredos da II Guerra”: a penicilina. “A penicilina não era usada na linha da frente, mas apenas nos hospitais de campanha.” Era uma descoberta recente, cuja produção foi acelerada precisamente por causa da guerra. No entanto, era ainda claramente insuficiente para fazer face às necessidades. “Por ser tão escassa, iam muitas vezes recuperá-la através da urina dos pacientes.”

O museu mostra também na sua exposição permanente um molde com uma cultura de penicilina que tem, atrás, uma assinatura de Alexander Fleming. Foi este cientista britânico quem, em 1929, descobriu que determinados bolores que acidentalmente tinham contaminado uma cultura patogénica a inibiam, e assim chegou à penicilina, descoberta que partilhou depois com os cientistas americanos, que a puderam desenvolver em larga escala.

Um ano depois de ter comprado as duas bolsas no leilão em Munique, João Neto chegou, por uma coincidência, ao contacto com um dos paramédicos que tinham estado no desembarque na Normandia. Melvin Lieberman tinha 82 anos em 2009, quando trocou mensagens com o Museu da Farmácia, e enviou algumas fotos tiradas durante a guerra, e que estão agora também em exposição. É ele o jovem que aparece numa delas junto a uma tenda médica, num acampamento militar.

Outras imagens mostram os feridos deitados em macas junto a tendas. E outras ainda, que não estarão na exposição mas que João Neto guarda no seu computador, mostram o dia em que o jovem paramédico entrou no campo de concentração de Buchenwald, em Abril de 1945. No interior havia mais de vinte mil prisioneiros, e, entre as imagens que Melvin Lieberman fez, vêem-se os corpos esqueléticos empilhados daqueles para quem, apesar de todos os esforços, a libertação chegou já demasiado tarde. 

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