Os desafios do novo Presidente

Economia, Saúde e Segurança Social, desigualdade social e tensões raciais, governabilidade, Supremo Tribunal, terrorismo, Rússia, China, Médio Oriente e Europa, eis alguns dos dossiers com os quais o futuro residente na Casa Branca terá de lidar.

Foto

Foram meses de uma das mais polarizadas campanhas eleitorais da História recente dos Estados Unidos. Quem quer que tenha emergido como vencedor das presidenciais, só tem uma certeza. Quando chegar à Casa Branca, em Janeiro, sabe que a sua palavra de ordem só pode ser uma: normalizar. Normalizar as relações, criar pontes de diálogo. Antes de estarem assentes as bases de uma governação normal, não poderá avançar para os grandes temas que a ainda primeira potência do mundo tem para gerir, internamente e externamente. O tom do discurso inaugural, a 20 de Janeiro de 2017, além de anunciar as prioridades do novo Presidente, marcará o tom com que quer trabalhar.

Governabilidade

Foram tantas as ameaças, que não é improvável que alguns dos problemas que Clinton ou Trump enfrentaram enquanto candidatos (impostos, emails) regressem quando um deles já estiver na Casa Branca. Se, por algum motivo, o próximo Presidente ficar entupido em processos e inquéritos — e as ameaças são muitas, a última a surgir foi a possibilidade de a maioria republicana no Congresso abrir um processo de destituição mal aconteça a tomada de posse —, pode delegar a gestão corrente do governo num alto funcionário, de forma a que o trabalho normal não cesse — para que "na grande ordem das coisas, o trabalho vital do executivo não seja distraído por assuntos menores", como explica o Independent.

Congresso e oposição

A grande dúvida será a reconfiguração do Senado, que poderá ter uma nova maioria democrata. Porém, na Câmara de Representantes, a bancada republicana será predominante e não desistirá de bloquear a acção legislativa de uma Presidente Clinton. Mas no caso de uma Administração Trump as relações também não estão garantidas. Para se perceber o ambiente, veja a análise do Independent sobre o que poderá ser o novo Congresso de Washington: "Desde Lyndon Johnson que a América não tem um Presidente que conheça tão bem o braço que seja capaz de o domar através de uma mistura de ameaças e subornos. São estas aptidões que são necessárias para sobreviver no ambiente tão clubista que se vive hoje em dia".

Supremo Tribunal

Há uma vaga na mais alta instância jurídica federal. Foi deixada aberta com a morte do juiz Antonin Scalia. Barack Obama nomeou um sucessor, Merrick Garland, mas esta é uma instituição com uma orientação ideológica e não apenas legal. Resolve, ideologicamente, problemas como o aborto, os direitos civis, a regulação de Wall Street ou disputas sobre o resultado das eleições, quando elas existem (foi assim em 2000, quando Gore contestou a eleição de Bush) Neste momento, o Supremo é um órgão morto, com o Senado a impedir a tomada de posse de Garland. Se continuar assim — se os republicanos garantirem a maioria no Senado —, o Supremo pode perpetuar-se no limbo em que já vive há mais de 230 dias (há quatro juízes de tendência republicana e quatro de tendência democrata). O novo Presidente, diz o Financial Times, tem o dever moral de voltar a tentar quebrar esta situação, libertando o Supremo do "veneno partidário" que o remeteu ao imobilismo.

Economia

A intervenção do Presidente dos EUA na economia do país é limitada: não cabe à Casa Branca decisões como a subida ou descida das taxas de juro, que competem à Reserva Federal. Mas mesmo assim, muitas políticas da Administração podem influenciar o desempenho da economia – como provou o Presidente Barack Obama, cujo pacote de estímulo aprovado no arranque de 2009 travou a recessão do ano anterior e cujo programa de auxílio à indústria automóvel permitiu o renascimento dos grandes construtores norte-americanos.

Duas políticas do Departamento do Tesouro assumem preponderância: a gestão monetária (o câmbio do dólar) e a política fiscal, importante tanto para as famílias como para as empresas e indústrias e os mercados financeiros. Outra questão tem a ver com as contas públicas, o desequilíbrio orçamental e a dívida pública – mesmo se o poder orçamentário esteja do lado do Congresso. Outras áreas onde o Presidente pode exercer a sua influência, embora estejam dependentes do Congresso, têm a ver com a distribuição da despesa pública: o investimento em infra-estruturas, na educação ou a subida do salário mínimo, por exemplo.

Comércio internacional

Pela importância que a discussão teve na campanha, a assinatura de novos tratados de comércio livre ou a renegociação de acordos já em vigor, estará na ordem do dia no arranque da nova Administração. Há dois dossiers de difícil resolução: a parceria do Pacífico e a atlântica – esta tem ainda uma dificuldade adicional representada pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Desigualdade social e tensões raciais

Receitas que permitam reduzir o fosso entre a população mais rica e privilegiada e aqueles com menos recursos e oportunidades são difíceis de encontrar e implementar, mas depois de uma campanha em que se multiplicaram as promessas à classe média, a acção será obrigatória. O futuro Presidente também terá de exercer o seu papel de negociador e moderador em discussões difíceis sobre a raça e a delicada questão do acesso às armas.

Saúde e Segurança Social

Com o chamado Obamacare em questão, o futuro Presidente terá de trabalhar com o Congresso para encontrar uma solução para o sistema de saúde do país, que é um dos mais caros e menos eficientes do mundo industrializado. Outro desafio diz respeito à sustentabilidade da Segurança Social, que suporta os custos dos populares programas Medicaid e Medicare, que pagam respectivamente as despesas médicas da população abaixo da linha de pobreza e dos americanos com mais de 65 anos.

Ambiente e Energia

São duas faces da mesma moeda. De um lado estão matérias planetárias como o combate ao aquecimento global e as alterações climáticas; do outro questões domésticas como a aposta nas energias renováveis e a redução da dependência dos combustíveis fósseis.

Terrorismo

Tudo indica que a expansão territorial do Daesh, o grupo jihadista que constitui a mais séria ameaça à segurança a nível global, foi travada, mas a sua capacidade de influência continua a ser um grande desafio – para os EUA e todo o mundo ocidental. A próxima Administração terá de traçar uma estratégia para combater o Daesh (e outros grupos extremistas) tanto no terreno – o que implica decisões que dizem respeito às guerras no Médio Oriente – como no ciberespaço, por onde passam as suas actividades de organização interna, propaganda, recrutamento e financiamento. Esse combate exige também a formação de alianças e colaboração com autoridades, organizações e agências internacionais, da NATO à ONU à Interpol e outras.

Depois, também existe a ameaça interna. Ataques isolados ensaiados por "lobos solitários" que reclamaram inspiração islamista, como durante a maratona de Boston, num centro comunitário de San Bernardino ou na discoteca Pulse de Orlando, poderão repetir-se. Outros grupos de ódio, como por exemplo os supremacistas brancos, também podem sentir-se tentados a agir após o período eleitoral.

Europa, Rússia e NATO

O impasse em que se encontram as relações entre os Estados Unidos e a Rússia faz lembrar os tempos da Guerra Fria. Episódios como o da anexação da Crimeia por Moscovo e a participação na guerra da Ucrânia, o apoio ao regime de Bashar-al Assad na Síria ou a pirataria de Estado aos servidores do Partido Democrata contribuíram para uma escalada na tensão entre os dois antigos inimigos, e também da aliança transatlântica e da União Europeia com o regime de Vladimir Putin. O caminho a seguir é delicado. Americanos e europeus castigaram Moscovo com sanções que não travaram Putin. Convém esperar pela resposta do Presidente russo ao resultado eleitoral nos Estados Unidos.

Médio Oriente - Síria, Iraque, Afeganistão

A participação em missões militares no estrangeiro e a mobilização de tropas para conflitos distantes será uma das principais preocupações do próximo ocupante da Casa Branca. Os EUA estão envolvidos em várias frentes: na coligação que combate o Daesh na Síria (e pelo caminho procura a mudança de regime do Presidente Bashar al-Assad) e ao lado das tropas iraquianas, peshmerga e turcas que avançam contra os radicais islamistas no Iraque; na frente liderada pela Arábia Saudita contra os rebeldes huthis no Iémen; no apoio e treino do Exército do Afeganistão. A profunda instabilidade do Médio Oriente, cujas guerras e conflitos sectários promoveram uma vaga sem precedentes de refugiados na região e na Europa, é provavelmente o maior dilema em termos de política externa e de segurança que a futura Administração terá de encarar: tem implicações geoestratégicas militares e diplomáticas, e também humanitárias.

Ásia: da China à Coreia do Norte às Filipinas

Qualquer que seja o próximo Presidente dos EUA, é certo que vai medir forças com o homem forte da China, Xi Jinping, que tem vindo a alargar a sua esfera de influência e a desafiar o poderio militar dos Estados Unidos na região, sobretudo ao provocar os aliados ocidentais no mar do Sul da China. O investimento militar de Pequim é uma preocupação.

Também é garantido que o líder da Coreia do Norte vai testar a paciência e resistência da Casa Branca com as suas políticas de proliferação nuclear, que desestabilizam dois dos grandes aliados de Washington na região, a Coreia do Sul e o Japão. A acção imprevisível do novo líder das Filipinas, Rodrigo Duterte, que quer quebrar a aliança militar com os EUA e aproximar-se da China, é outro dossier delicado.

com Ana Gomes Ferreira

Sugerir correcção
Comentar