“O jihadismo não é um problema de integração”
Não há um choque de civilizações, mas diferentes comportamentos no quotidiano. Os muçulmanos querem estabelecer-se em comunidades como uma comunidade à parte, aproveitando a vantagem de viver na Europa.
Professor catedrático de Estudos Árabes da Universidade Autónoma de Madrid e membro da Real Academia de História de Espanha, Serafin Fanjul analisa para o PÚBLICO a situação das comunidades muçulmanas na Europa. O seu discurso vai contra a corrente dominante, que encontra na Europa a causa do radicalismo das segunda e terceiras gerações de emigrantes. “O jihadismo não é um problema de integração”, sintetiza.
Como vê a evolução do jihadismo na Europa?
É bastante claro que o jihadismo está a aumentar de forma muito grave na Europa, sobretudo nos países com comunidades muçulmanas grandes, como a França, o Reino Unido e a Alemanha. Noutros países, como pode ser o caso de Espanha, têm sido detectadas e desarticuladas bastantes células e grupos que se preparavam para actuar na Catalunha, Madrid e Andaluzia. As prisões começaram em 2002, na Catalunha, mas há sectores da sociedade, como a esquerda, que resistem muito em abordar o assunto como o verdadeiro perigo que é. Já na Alemanha, onde a maior parte dos muçulmanos, alguns da terceira geração, são de origem turca, não têm sido defendidas teses de integrismo de tipo violento, e as comunidades tendem, assim, a integrar-se, o que é bem avaliado pela cidadania alemã.
Na génese do jihadismo na Europa há um problema de integração?
Não acho que seja um problema de integração. Alguns, indivíduos da segunda geração e nascidos em França, tiveram as mesmas oportunidades que os emigrantes espanhóis ou portugueses que nunca se organizaram em grupos terroristas e se dedicaram a trabalhar. A reacção terrorista deve-se a ressentimentos, frustrações pessoais que procuram no passado o refúgio contra a vida social, procuram o culpado na realidade francesa que os rodeia e não neles. Há indivíduos com estudos que arrastam um sentimento islâmico colectivo considerando que o que denominam como fracasso do islão tem origem na Europa, em França ou no Reino Unido, que a sua cultura e religião não foram consideradas como deviam nos últimos 150 anos. Culpam a Europa do atraso dos muçulmanos no século XIX e XX. Depois da Segunda Guerra Mundial, com as descolonizações, a Europa deixou vazios de poder imensos nas ex-colónias e protectorados que foram ocupados. No caso dos países muçulmanos, foram as religiões entrecruzadas com ditaduras militares ou regimes de partido único [que ocuparam o poder]. Esta base religiosa foi sempre respeitada, mesmo pelas ditaduras, tornou-se numa referência ideológica fundamental, única, o que também influenciou sociologicamente o poder do islamismo.
O jihadismo tem grande presença em França, um país de um apurado laicismo. Há relação entre as duas situações?
Sou partidário da liberdade religiosa, mas penso que na Europa há demasiadas contemplações para com as comunidades islâmicas, inclusivamente ajudas não dadas a outras confissões, como as ajudas para a construção de mesquitas. Um emigrante deve ter os mesmos direitos e obrigações de quem o recebe, mas os muçulmanos querem estabelecer uma comunidade à parte, com legislação própria e aproveitando as vantagens económicas e sociais de viver na Europa. O laicismo francês permite respeitar as actividades das comunidades religiosas sempre que não intervenham no Estado, o que é um bom princípio, embora na prática seja complicado. Já em Espanha há aspectos de tolerância que são absurdos. Dou um exemplo: para tirar o bilhete de identidade está estipulado que nas fotos seja visível todo o rosto, cabelo e orelhas incluído, um princípio aplicado a todos, até às freiras. Mas por decisão administrativa, às muçulmanas é permitida a foto com o cabelo tapado.
Diz que há princípios que impedem a plena integração dos muçulmanos. Quais são?
Antes de tudo, a endogamia, a política de casamentos das mulheres só com muçulmanos. Já no caso dos homens é diferente, ele é considerado o chefe de família, mas o papel das mulheres na sociedade muçulmana é, para dizê-lo de forma educada, extremamente secundário, de facto a sua representação social é mínima. Outro princípio é o proselitismo. Nos países muçulmanos, o proselitismo de outras religiões está proibido, mesmo em países considerados moderados, como a Tunísia e Marrocos, a conversão de um muçulmano ao catolicismo pode levar a uma pena de prisão de quatro anos. Aliás, na Tunísia e Marrocos, o direito de família está imbuído de princípios islâmicos. Finalmente, existe a apostasia. Se um muçulmano o deixa de ser, é perseguido, e nalguns países, como o Afeganistão e o Paquistão, pode levar à pena de morte.
Sendo assim, qual é a solução?
Está a fazer-se o que deve ser feito, ou seja, conceder direitos e obrigações. Demos, as sociedades europeias, os passos administrativos, agora têm de ser aquelas comunidades a dar o passo para a sua integração. Uma coisa é integrar, outra assimilar. A assimilação está fora de causa, não queremos que os muçulmanos percam a sua identidade, a sua cultura e língua. A integração é a participação real num processo nacional, sentir como seus os êxitos e os problemas dos países onde vivem. Dentro de três ou quatro gerações, isso poderá levar à assimilação, é este o receio das comunidades muçulmanas. Aliás, é uma ideia muito clara desde o início do islão, com o princípio de cativar as mulheres de fora e não deixar que saiam as muçulmanas. Assim, penso que não há nada a mudar em relação às políticas.
Resta, em aberto, o financiamento dos jihadistas, através da venda do petróleo que controlam no Iraque, resgates dos sequestros, vendas de obras de arte, dádivas de países…
Quem está mais implicado no petróleo é a Turquia. Uma vez refinado, o petróleo é vendido no território ocupado pelo autoproclamado Estado Islâmico, que conta com oito milhões de habitantes, e, na fronteira com a Turquia, país que tem em curso um processo de islamização e que, para mim, tem um regime em que não se deve confiar. Outra parte do petróleo será reexportada através dos canais do mercado negro, embora a nível mundial o que eles produzem sejam apenas pequenas quantidades.
Ao longo dos anos, tem-se falado do confronto de civilizações. Qual é a sua opinião?
De momento não existe essa versão clássica de uma guerra na qual cada bloco tem os seus efectivos. O choque de civilizações ocorre no quotidiano, com pequenos gestos. São os lenços impostos às meninas de nove anos, é a proibição das mulheres muçulmanas se casarem com não muçulmanos. Aí, sim, criam um vazio à sua volta. Aí há um choque de civilizações. Se essas formas culturais se estenderem a uma cidade ou a um país, é perigoso.