O euro e a União Europeia
Deve haver espaço na União Europeia para diferentes graus de integração.
As controvérsias públicas continuam, tendo o primeiro-ministro grego dito à revista Der Spiegel que o Banco Central Europeu está a “estrangular a Grécia”. Entretanto, aumentam as divisões e críticas mútuas no interior da coligação esquerdista que governa a Grécia.
O que me parece mais intrigante é que esta sucessão de crises e acusações não esteja a dar lugar a uma reavaliação pragmática do projecto da moeda única europeia. Os principais protagonistas e comentadores continuam a discutir entre si com base no pressuposto comum de que a moeda única europeia, na sua actual arquitectura, é um elemento indispensável à consolidação da União Europeia. No entanto, é bem visível que — ao contrário do que era desejado e anunciado — o euro tem feito aumentar as divisões e a acrimónia entre os países membros. Porquê?
Uma explicação possível é que o projecto da moeda única tenha significados muito diferentes entre os países que o subscreveram. Para os países do Norte, em particular a Alemanha, significa sobretudo disciplina orçamental. Para outros, especialmente a Grécia, mas seguramente não só, significa sobretudo “solidariedade” — o que quer dizer basicamente transferências automáticas dos países mais ricos para os mais pobres, incluindo a mutualização das dívidas soberanas.
Talvez as elites alemãs venham a ter de aceitar que a Alemanha tem de pagar para salvar o euro no seu presente formato, isto é, incluindo um grupo tão diversificado de países e de economias. Mas, se e quando as elites alemãs aceitassem essa alternativa, iria o eleitorado alemão aceitá-la também? Se e quando uma união orçamental fosse implementada, com transferências automáticas, a Alemanha não iria assistir à subida do extremismo, neste caso de sinal contrário ao do Syriza na Grécia? Em boa verdade, a subida do extremismo de direita na Alemanha, por enquanto limitada, é já um facto observável a olho nu.
Este desencontro entre as preocupações da Alemanha e, em geral, dos países do Norte da Europa, e, por outro lado, as expectativas de vários países do Sul constitui um alerta importante que devia intrigar os europeístas com abertura de espírito.
Talvez esse alerta queira dizer que a União Europeia não possui uma identidade nacional — por exemplo comparável à dos Estados Unidos da América. No Federalista II, John Jay observou em 1787 várias características da unidade norte-americana que estão ausentes na experiência europeia:
"Um povo descendendo dos mesmos antepassados, falando a mesma língua, professando a mesma religião, apoiando os mesmos princípios de governo, muito semelhante nas suas maneiras e costumes, e que, lutando lado a lado durante uma longa e sangrenta guerra, estabeleceram com nobreza a sua liberdade e independência comuns. Como uma nação, fizemos a paz e a guerra; como uma nação, vencemos os nossos inimigos; como uma nação, formámos alianças, e fizemos tratados, e entrámos em vários contratos e convenções com estados estrangeiros".
Estas palavras de John Jay devem ser recordadas quando tentamos definir com abertura de espírito as presentes circunstâncias na Europa e na zona euro. Quando foi lançado, o euro era suposto promover a convergência económica entre os estados membros, bem como uma maior união política e um maior entendimento mútuo. Os factos hoje são que a divergência económica é maior e que a linguagem da rivalidade nacional voltou ao discurso político.
Para enfrentar este paradoxo, talvez precisemos de uma moldura processual que permita que a experiência do euro tenha lugar através do ensaio e do erro, como Karl Popper diria, isto é, através de conjecturas e refutações, através de uma permanente conversação entre pontos de vista rivais e propostas rivais, incluindo a proposta de saída do euro. Por outras palavras, a Europa precisa de trivializar, por assim dizer, o tema do euro.
O euro, bem como o conjunto do projecto europeu têm tido enorme sucesso, e continuarão a tê-lo, na condição de continuarem a ser processos claramente voluntários. Países e parlamentos que queiram sair do euro ou que queiram adoptar políticas que não sejam compatíveis com o euro – e a Grécia poderia ser um potencial exemplo – deveriam ser autorizados a sair de forma ordeira. A consequência desta postura deveria também ser assumida claramente: o euro e a União Europeia não são necessariamente um e o mesmo projecto; deve haver espaço na União Europeia para diferentes graus de integração.