O empresário que comprou o Washington Post está habituado a prejuízos
Jeff Bezos é conhecido por gostar de pensar a longo prazo. Já investiu em start-ups tecnológicas e tem uma empresa de turismo espacial.
O negócio, anunciado nesta segunda-feira de surpresa, vai concretizar-se nos próximos dois meses. Bezos (a título individual e sem que a Amazon esteja envolvida) pagará 250 milhões de dólares (188 milhões de euros) em dinheiro, uma parcela pequena da sua fortuna pessoal, que a agência Bloomberg avalia em 27.900 milhões de dólares. Boa parte é devida à valorização bolsista da Amazon, a gigante de vendas online criada em 1994. A Bloomberg coloca-o em 16º lugar na lista dos mais ricos do mundo. Mas, quando comparada com outras multinacionais tecnológicas, a Amazon, que emprega perto de 100 mil pessoas, praticamente não faz dinheiro.
O ano de 2003 foi o primeiro em que a empresa apresentou lucros. Desde então, teve ganhos totais de cinco mil milhões e, em 2012, voltou a apresentar prejuízos anuais. Por comparação, só no último trimestre, a Apple teve lucros acima dos 35 mil milhões. A Microsoft, nos mesmos três meses, conseguiu lucros de quase 27 mil milhões. Mesmo que Bezos tivesse ficado com todo o lucro que a Amazon já fez, teria muito menos dinheiro do que aquele que os investidores lhe puseram nas mãos ao comprar acções, confiantes de que a longo prazo – expressão muito usada por Bezos quando fala de negócios – o investimento dará frutos.
Jeffrey Preston Bezos tem 49 anos. Nasceu na cidade de Albuquerque, no Novo México, um estado interior no Sul dos EUA. Estudou engenharia electrotécnica e informática na prestigiada Universidade de Princeton e seguiu para uma série de empregos bem pagos em Wall Street, o último dos quais num fundo de investimento.
Em 1994, então com 30 anos, viu a oportunidade. Os negócios online começavam a florescer nos EUA. As livrarias físicas tinham limitações que a Internet permitia que fossem ultrapassadas. E a lei americana determinava (como ainda hoje acontece) que as vendas online não estavam sujeitas a imposto nos estados em que a empresa vendedora não tivesse uma presença física. Pediu 300 mil dólares emprestados aos pais e começou o negócio.
“Vai ser preciso experimentação”
Ninguém, nem o próprio, parece saber o que Jeff Bezos fará com um dos mais importantes jornais americanos. The Washington Post foi fundado em 1887 e, em 1933, na altura da Grande Depressão, foi vendido num leilão de insolvência ao então presidente da Reserva Federal Americana, Eugene Meyer. Esteve nas mãos da família durante os 80 anos seguintes.
“Todos os membros da minha família começaram por ter o mesmo sentimento – choque – só de pensar [em vender o jornal]”, disse, numa entrevista ao próprio Post, Donald Graham, o director executivo da empresa homónima que é dona do título e que tem também negócios na área da televisão e de serviços para estudantes (como planos de preparação para exames), que são todos lucrativos. “O Post poderia ter sobrevivido dentro da empresa e ser lucrativo no futuro. Mas queríamos mais do que a sobrevivência. Não estou a dizer que isto garante o sucesso, mas dá-nos uma muito maior hipótese de sucesso."
Contrariamente a outros jornais americanos de renome, como The New York Times e o Wall Street Journal, que têm um forte pendor internacional e se têm expandido fisicamente para países como a China e o Brasil, o Post foca-se sobretudo nos assuntos de política interna dos EUA. Nos anos 1970, os lendários repórteres do Post Bob Woodward e Carl Bernstein desvendaram o caso de espionagem política que ficou conhecido como Watergate e que levou à demissão do Presidente Richard Nixon, a única demissão presidencial na história do país.
O jornal é também um exemplo dos problemas que a indústria do jornalismo tem enfrentado nos últimos anos. A circulação impressa caiu nos últimos 20 anos de uma média diária de 832 mil exemplares para cerca de 475 mil. A publicidade impressa seguiu o mesmo rumo. As operações online aumentaram as receitas, mas não ao ponto de compensar as perdas (e a empresa viu encolher o negócio dos anúncios classificados na Internet, outrora um monopólio dos jornais, mas que hoje é mais bem explorado por sites especializados). A redacção mingou de mais de mil pessoas para cerca de 640.
O grupo não apresenta dados financeiros para o Washington Post, mas os dados agregados para a divisão de jornais (onde está também a revista online Slate, que não faz parte da venda) indicam prejuízos de 14,8 milhões de dólares no segundo trimestre deste ano.
Numa carta dirigida aos funcionários da empresa e publicada online, Bezos admite as incertezas quanto ao futuro. “Isto será território por explorar e vai ser preciso experimentação”, afirmou, sublinhando que "os valores do Post nunca vão mudar". O empresário não estará envolvido na gestão quotidiana e vai manter as equipas de administração e direcção editorial.
Até aqui, o empresário tinha feito apenas um investimento de cinco milhões de dólares na área dos media, ao comprar capital do Business Insider, um site focado em artigos de economia e tecnologia. E dava sinais de não ser particularmente ligado à imprensa. No final do ano passado, numa entrevista ao jornal alemão Berliner Zeitung, afirmou que não lia jornais impressos e que estes estariam extintos em 20 anos, talvez com a excepção de alguns exemplares que serão “itens de luxo em certos hotéis, como um serviço extravagante para os hóspedes”. Também afirmou que as pessoas não pagarão por notícias online.
Os restantes investimentos de Bezos vão de start-ups tecnológicas à Blue Origin, uma empresa de turismo espacial que fundou em 2000. O historial não permite antever o que se passará com o Post. Mas aquilo de que ninguém parece duvidar é que o fundador da Amazon gosta de pensar a longo prazo. A expressão não é apenas usada frequentemente nas mensagens que escreve aos investidores a acompanhar os relatórios da empresa. Bezos já gastou dezenas de milhões no projecto de um relógio mecânico gigantesco que está a ser construído no interior de uma montanha no Texas, com o objectivo de manter o registo do tempo – assinalando os anos, décadas, séculos e milénios – ao longo de dez mil anos.