Nova lei da Internet na Turquia marca "início de um período de trevas"
Autoridade que gere as telecomunicações pode remover conteúdos sem autorização judicial e fornecedores de acesso à Internet obrigados a guardar historial de navegação durante dois anos.
As alterações à lei, aprovadas nas últimas horas de quarta-feira, com os votos da maioria do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), reforçam os poderes da autoridade que supervisiona as telecomunicações na Turquia, concedendo-lhe autonomia para bloquear e remover qualquer conteúdo na Internet num prazo de quatro horas a partir da denúncia, e sem necessitar de qualquer ordem judicial.
Depois de os conteúdos serem removidos, a decisão da Presidência das Comunicações e Telecomunicações (TBI, na sigla original) terá de ser alvo de escrutínio judicial num prazo de 24 horas, mas muitos analistas e organizações internacionais consideram que este mecanismo não será mais do que um carimbo para as deliberações da TBI.
"Esta proposta de reforma transfere para a TBI os poderes legislativo, executivo e judicial, e está a transformá-la numa agência de serviços secretos. Na perspectiva dos direitos e liberdades fundamentais, indica o início de um período de trevas", denunciam Yaman Akdeniz e Kerem Altiparmak, professores nas universidades de Bilgi, em Istambul, e de Ankara, respectivamente, num relatório citado pela Reuters.
Também a Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE) criticou com dureza a nova lei. Num relatório publicado em Janeiro, lê-se que as alterações propostas pelo partido do governo – aprovadas na quarta-feira – permitem ao TBI "reunir dados de comunicações sobre todos os utilizadores de Internet sem quaisquer restrições ou limites legais".
"Como os utilizadores não terão nenhuma forma de saber quando e como essa informação é recolhida, a Presidência [a TBI] terá poder ilimitado nesta área", alertou a organização.
Para além de poder ordenar a remoção de fotografias ou vídeos, a TBI pode também exigir a um qualquer fornecedor de acesso à Internet que bloqueie o acesso a sites – pessoais ou redes sociais, como por exemplo o Facebook ou Twitter, que desempenharam um papel importante nos protestos do ano passado na Turquia.
"Inconstitucional" diz partido da oposição
As empresas que fornecem acesso à Internet passam também a estar obrigadas a guardar o historial de navegação dos utilizadores de Internet por um máximo de dois anos e a entregar essa informação a pedido das autoridades.
A lei original, que o Parlamento reforçou na quarta-feira, foi aprovada em 2007 e já proibia insultos ao fundador da república turca, Mustafa Kemal Atatürk; o acesso a sites de encontros amorosos entre pessoas do mesmo sexo; e a páginas vistas como próximas dos militantes curdos, entre outras – entre 2007 e 2010, vários tribunais do país bloquearam o acesso ao YouTube por causa da publicação de vídeos considerados "anti-turcos".
Durante a discussão e votação das alterações à lei, o vice-presidente do Partido Republicano do Povo (CHP, na oposição), Umut Oran, acusou o Governo de estar a tentar abafar o caso de corrupção que levou à demissão de três ministros e à remodelação de metade do Executivo.
"Isto é inconstitucional. Proibições como esta só existem em tempos de golpes de Estado e não têm sido bem-sucedidas a esconder nenhum caso de corrupção", disse o responsável.
Do lado do partido no poder, Necdet Unuvar, principal responsável pela redacção da nova lei, afastou as acusações de censura. "São regulações necessárias para proteger a confidencialidade da vida privada", defendeu.
A discussão entre os 319 deputados do partido do Governo e os restantes 231 da oposição foi acesa – um representante do Partido Republicano do Povo chegou a comparar o primeiro-ministro turco a Adolf Hitler.
"Quando chegou ao poder, disse que ia melhorar a democracia na Turquia – agora está a tentar implementar o fascismo", disse Hasan Oren. "Lembre-se de que Adolf Hitler usou os mesmos métodos quando chegou ao poder."
O vice-primeiro-ministro, Bulent Arinc, limitou-se a negar a existência de censura no país com uma evidência: "Somos mais livres do que muitos outros países."