"Não importa o que é que o fotógrafo fez; o que é que nós faríamos?"
Fotografia de homem prestes a morrer no metro de Nova Iorque gera intenso debate e críticas à imprensa tablóide
A imagem, publicada na terça-feira na primeira página do New York Post, mostra um homem a tentar escapar do fosso do metro de Nova Iorque. De acordo com testemunhas que se encontravam no local no momento do acidente, havia outras pessoas na plataforma, mas a fotografia não inclui mais ninguém, além da vítima, Ki-Suck Han, de 58 anos, que caiu na linha de metro depois de ter sido empurrado.
"Depois de empurrão fatal no metro, a pergunta: Não havia heróis?", foi o título de um artigo no New York Times um dia depois do acidente. "A fotografia de um homem sozinho numa linha do metro numa das cidades mais populosas do mundo vem lembrar que, quando alguma coisa má acontece, quase sempre dependemos apenas de nós próprios", lamentou o jornalista de media daquele jornal, David Carr.
Não é a primeira vez que um caso destes acontece em Nova Iorque e o homem suspeito de empurrar Ki-Suck Han, um mendigo de 30 anos que terá tido uma altercação com a vítima momentos antes, já foi detido pela polícia.
Mas as circunstâncias deste caso estão a ser tema de discussão porque um fotógrafo estava na estação de West 49th Street e 7th Avenue, no momento do acidente, e tirou fotografias. O New York Post, um tablóide local que pertence a Rupert Murdoch, publicou as imagens na sua edição de terça-feira, nomeadamente na primeira página, com o título: "Empurrado para a linha de metro, este homem está à beira de morrer." No pé da página, em letras garrafais, lê-se "CONDENADO".
A publicação e tratamento das imagens provocaram uma onda de críticas recriminatórias ao New York Post, que foi acusado de mau gosto e de ter ultrapassado os limites da ética jornalística. "O Post explorou a morte de alguém para obter o máximo efeito comercial", escreveu Carr
O fotógrafo freelance que captou as imagens, R. Umar Abbasi, tem estado no centro das críticas por ter tirado fotografias em vez de tentar ajudar Ki-Suck Han. Em entrevistas e num artigo publicado no site do New York Post, ele tem repetido que estava demasiado longe para poder alcançar o homem. "Não me posso deixar abalar pelos críticos de bancada. Eles não estavam lá. Eles não fazem ideia do quão depressa tudo se passou. Eles não sabem o que é que teriam feito", escreveu. "O que é triste é que havia pessoas próximo da vítima que viram e não fizeram nada." Abbasi diz que não fez as imagens propositadamente, mas disparou a câmara e o flash várias vezes para tentar alertar o condutor do comboio.
Barbie Zelizer, professora de jornalismo na Annenberg School for Communication da Universidade da Pensilvânia, defende a decisão de publicar as imagens. "Já vimos debates como este antes, em que o fotógrafo e a publicação são recriminados pela natureza difícil do que está a ser retratado", diz ao PÚBLICO.
Jornal e fotógrafo não passam de bodes expiatórios dos nossos "sentimentos não resolvidos em relação ao que as imagens noticiosas devem mostrar". Isto é, "nós aceitamos imagens explicitamente violentas o tempo todo, na televisão, no cinema, na Net. Mas não somos capazes de ver imagens de violência nas notícias, quando as notícias são precisamente a plataforma encarregada de nos mostrar o que acontece no mundo", nota Zelizer, autora do livro About to Die: How News Images Move the Public. "Temos de exigir das imagens o mesmo que exigimos das palavras. Ou seja: este acto violento aconteceu, isto é notícia, não gostaríamos de ser informados sobre isto num texto? Se tem valor noticioso para ser relatado num texto, também tem valor noticioso para ser mostrado em fotografias", diz.
E, como escreveu David Carr no New York Times, a imagem publicada pelo Post convida à auto-reflexão. "Não importa o que é que o fotógrafo fez; o que é que nós faríamos?"