Milhões de chineses sem noiva para levar ao altar
Esta investigação, conduzida pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, sublinha os impactos nefastos do que é descrito como o "mais sério problema demográfico" da população chinesa de 1,3 mil milhões de pessoas, encontrando as causas de raiz na "extremamente comum" prática de abortos selectivos, sobretudo nas regiões rurais, e na tendência em crescendo de os jovens casais urbanos optarem por não ter filhos.
Os factores que conduziram à situação de baixa fertilidade e, em especial, à prática de abortar bebés do sexo feminino são, porém, "de natureza muito complexa", é ainda sublinhado no extenso estudo agora publicado em livro por aquele think tank patrocinado pelo Estado. Para este cenário contribuem como "factores principais" o deficiente planeamento familiar do país - restringindo o número de filhos que os chineses podem ter -, assim como o "imaturo" sistema de segurança social.
Neste enquadramento, as pessoas tendem a querer ter apenas filhos do sexo masculino (quando desejam tê-los), os quais oferecem um maior potencial de ganhos na idade adulta e assim aumentam as possibilidades de poderem assistir os pais na velhice.
Os responsáveis pelo estudo instam o Governo chinês a suavizar a chamada política de um só filho, implementada em 1979 (com excepções dadas aos agricultores, minorias étnicas e outros pequenos grupos populacionais) para conter a explosão demográfica então verificada - avaliam os sociólogos que esta política impediu pelo menos 400 milhões de nascimentos. E urgem igualmente as autoridades a estudarem a possibilidade de encorajar "casamentos com pessoas de outros países", para tentar evitar o impacto social e económico negativo do desequilíbrio entre sexos.
Menina não nasceA prática abortiva de fetos femininos, sublinha o estudo, intitulado Estrutura Social Contemporânea da China, é particularmente incidente nas áreas rurais da China, onde persiste uma "preferência cultural" centenária por filhos do sexo masculino e onde, de resto, a introdução da ecografia pelos finais da década de 1980 veio aumentar ainda mais o número de gravidezes a serem interrompidas quando é detectado um bebé do sexo feminino.
As estatísticas oficiais mais recentes, de 2005, dão conta de que nascem apenas 100 raparigas por cada 119 rapazes no país - desequilíbrio que se acentua para um rácio de 100/130 em algumas das províncias chinesas -, levando os cientistas sociais a crerem que muitos homens, sobretudo nas zonas mais pobres, vão permanecer solteiros durante toda a vida. A Comissão Nacional para a População e Planeamento Familiar chinesa define como "normal" uma diferença de nascimentos nas 100 raparigas para 103 a 107 rapazes.
"A hipótese de um homem com mais de 40 anos numa região rural casar será raríssima. E o problema é particularmente grave nestas áreas, onde os agricultores idosos dependem quase exclusivamente dos filhos. O que vai acontecer é que estes homens tornar-se-ão mais dependentes da segurança social conforme envelhecerem e terão menos recursos familiares nos quais confiar", avaliava um dos responsáveis pelo estudo, Wang Guangzhou, ao jornal chinês sino-anglo-saxónico Global Times.
O investigador considerou também que, em consequência, é de contar que a diferença de idades entre membros do casal tenda a alargar, registando-se cada vez mais casamentos intergeracionais ou em que a mulher é bem mais velha do que o homem, algo actualmente incomum no país.
Outro sociólogo envolvido no estudo, e igualmente ouvido por aquele diário, avançou ainda que os homens oriundos das regiões mais pobres da China ver-se-ão forçados a resignar-se a permanecer solteiros: isto poderá levar à "quebra das linhas familiares", apontou Wang Yuesheng.Prostituição e tráfico
O Global Times, citando dados da Comissão Nacional para a População e Planeamento Familiar, apontava ainda uma outra brutal consequência do já existente desequilíbrio demográfico: os raptos e o tráfico de mulheres são "galopantes" nas regiões do país em que há excedente no número de homens.
Casamentos ilegais e prostituição forçada são outros dois fenómenos problemáticos nestas zonas da China, frequentemente atribuídos à diferença nos números de homens e mulheres na população. Em muitas regiões do país houve um esforço por parte das autoridades para reduzir o número de abortos selectivos, tendo sido banido o recurso às ecografias ou a divulgação do sexo do feto quando estas são realizadas.
O Governo chinês lançou também, há dez anos, a campanha "cuidar das raparigas", oferecendo incentivos monetários às famílias rurais sem filhos do sexo masculino - mas viria em 2007 a reconhecer que o programa não fora bem sucedido.