Michael Brown foi morto com seis tiros e agora Ferguson só descansa com "justiça"
Resultados de duas autópsias não avançam se o jovem foi baleado à queima-roupa, mas revelam que não foi alvejado pelas costas. Governador chama a Guarda Nacional para "repor a ordem e a paz" na pequena cidade do Missouri.
É essa a convicção de Lesley McSpadden, mãe de Michael Brown, entrevistada no programa Good Morning America, da estação ABC. Questionada sobre de que forma a cidade de Ferguson poderá sair do centro das atenções do país, McSpadden não hesitou: "Com justiça. Com a detenção deste homem e responsabilizando-o pelas suas acções."
Este homem a que Lesley McSpadden se refere é Darren Wilson, o polícia de 28 anos que baleou Michael Brown, de 18 anos.
As autoridades locais ainda não divulgaram os resultados da investigação ao que aconteceu no dia 9 de Agosto (a polícia diz que Brown tentou agredir o agente; duas testemunhas dizem que o jovem não foi violento e que estava em fuga quando foi atingido), mas a ausência de explicações por parte da polícia deu origem a uma onda de protestos e confrontos que deixou a cidade à beira do caos.
E os resultados de duas autópsias ao corpo de Michael Brown, revelados nesta segunda-feira, deverão alimentar ainda mais a conflitualidade nas ruas de Ferguson. São dois relatórios que coincidem na sua essência, e que já levaram o advogado da família de Brown, Benjamin Crump, a descrever o caso como uma "execução de um jovem desarmado em plena luz do dia".
Uma das autópsias, realizada a pedido da família da vítima pelo conceituado Michael M. Baden – antigo responsável pelo departamento de Medicina Legal da cidade de Nova Iorque e apresentador do programa Autopsy, do canal por cabo HBO –, revelou que uma das balas disparadas por Darren Wilson atingiu Michael Brown quando o jovem tinha a cabeça inclinada para baixo, o que pode indicar um de dois cenários, totalmente distintos: "Ou estava a desistir, ou estava a correr em direcção ao agente."
O experiente médico norte-americano disse que o agente não terá disparado à queima-roupa, devido à ausência de vestígios de pólvora no corpo de Michael Brown. Ainda assim, Baden salientou que não teve acesso à roupa do jovem, pelo que não pode determinar com certeza a que distância os tiros foram disparados.
"As pessoas têm perguntado quantas vezes é que ele foi baleado? Esta informação podia ter sido revelada logo no primeiro dia", criticou o médico. "Eles não fizeram isso, mesmo perante o crescimento de um sentimento entre os cidadãos de que está em curso uma operação de ocultação", lamentou.
Mais tarde, o jornal The Washington Post avançou pormenores sobre a autópsia realizada pelas autoridades do condado de St. Louis, na qual a família de Michael Brown não quis confiar por se tratar “da mesma instituição que matou o seu filho”, segundo o advogado Benjamin Crumb.
Esta autópsia veio confirmar que o jovem foi baleado por seis vezes, "no peito e na cabeça", segundo avançou o jornal norte-americano, citando fontes anónimas envolvidas no processo. A diferença em relação à autópsia realizada a pedido da família é que os procedimentos das autoridades de St. Louis incluíam, por obrigação, testes a possíveis substâncias encontradas no corpo da vítima – segundo o The Washington Post, esses testes revelaram que Michael Brown tinha vestígios de marijuana no organismo.
Esta informação junta-se às imagens de uma câmara de segurança divulgadas no sábado pela polícia de Ferguson, que mostram um homem, identificado como Michael Brown, a roubar cigarros num mini-mercado e a empurrar um dos funcionários, minutos antes de ter sido baleado.
Uma e outra informação podem ser relevantes para a investigação, mas as pessoas que protestam nas ruas de Ferguson centram a discussão na alegada desproporcionalidade da acção do agente, ainda que o jovem possa ter assaltado uma loja e fumado marijuana. Para além disso, exigem que também o agente Darren Wilson seja submetido a um teste: "O que é que esse polícia tinha no sistema quando disparou uma série de balas contra o corpo daquele rapaz?", questionou um dos manifestantes, citado pelo The Washington Post.
Apesar das exigências para que o agente Darren Wilson seja detido e julgado, o barril de pólvora em que se transformou a cidade de Ferguson entrou esta segunda-feira numa nova etapa, com consequências imprevisíveis.
Após uma noite de violência, com ataques contra as forças de segurança e pilhagens, repelidos pela polícia com a resposta mais dura desde o início dos protestos, o governador decidiu chamar a Guarda Nacional para "ajudar a restaurar a ordem e a paz" – uma escalada da mesma posição de força que tem sido vista pelos habitantes da cidade como uma provocação e um abuso de autoridade.
A noite de domingo para segunda-feira – a segunda do recolher obrigatório imposto no sábado, que deveria vigorar entre as 0h e as 5h locais, e que foi revogado esta segunda-feira – foi a mais violenta desde que começaram os protestos contra a morte de Michael Brown.
As versões sobre a origem dos confrontos divergem, mas a resposta da polícia pode ser vista em vídeos partilhados nas redes sociais: centenas de agentes da polícia de choque encheram as ruas de gás lacrimogéneo, dispararam balas de borracha e detiveram pelo menos sete pessoas. Pelo menos uma pessoa ficou ferida com gravidade.
"Era uma manifestação pacífica, ainda estou a tentar perceber por que razão começaram a lançar gás lacrimogéneo", disse ao The New York Times Key Smith, apresentado como uma testemunha dos confrontos de domingo à noite nas ruas de Ferguson.
Apesar dos protestos pacíficos, os media locais confirmam que foram disparados tiros e lançados cocktails molotov por manifestantes contra a polícia, e que houve pilhagens. O governador do Missouri, o democrata Jay Nixon, justificou a chamada da Guarda Nacional com o objectivo de travar "actos criminosos violentos cometidos por um grupo organizado de indivíduos, muitos deles de fora da comunidade e do estado".