Marine versus Jean-Marie: a Frente Nacional discute em público

Marine Le Pen critica pela primeira vez publicamente o pai, por comentários “maldosamente interpretados” como anti-semitas.

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O pai lembrou à sua filha “de onde vem a Frente Nacional”, escreveu o Le Monde MARTIN BUREAU/AFP

Por isso, Marine, que herdou a liderança do partido de extrema-direita em 2011, viu-se obrigada a responder, publicamente, pelo comentário do seu pai dizendo que faria uma fornada com críticos, incluindo um judeu, e acusá-lo de ter cometido “um erro”. Jean-Marie, que é o presidente honorário da FN, parece não ter vontade de se calar e lembrou que tem o título de modo vitalício

Tudo começou quando Jean-Marie Le Pen comentou as críticas ao partido feitas por uma série de artistas e de outras personalidades – entre eles, a cantora Madonna, o humorista Guy Bedos, o antigo campeão de ténis Yannick Noah e o cantor (judeu) Patrick Bruel. Questionado sobre como responderia, Le Pen riu-se: “Da próxima vez, faremos uma fornada com eles.”

Marine Le Pen manteve a resposta pronta que o seu pai sempre tem perante acusações de racismo ou anti-semitismo: que ele não é racista nem anti-semita, e que estas interpretações são feitas pelos seus opositores com intenção de o denegrir. Embora dizendo-se “convencida de que o sentido dado às suas palavras vem de uma interpretação maldosa”, Marine ousou criticar o pai: dada a sua “longa experiência”, o facto de “não ter antecipado a interpretação que seria feita dessa formulação foi um erro político do qual a Frente Nacional vai sofrer as consequências”.

Marine tentou, ainda, transformar a situação a seu favor: “Esta polémica pode ter um lado positivo, que é o de me permitir lembrar que a Frente Nacional condena do modo mais firme toda a forma de anti-semitismo.”

Mas o comentário é desastroso pelo alvo e pelo timing. Uma coisa é Le Pen falar do ébola como possível regulador do “problema da imigração em França” antes da votação para as europeias, e aí Marine ter-lhe-á chamado a atenção, em privado. Outra coisa é falar em “fornos” a propósito de um judeu precisamente na altura em que a filha precisa da aura de respeitabilidade que tem tentado dar ao partido para conseguir acordos com outros partidos europeus para formar um grupo no parlamento de Bruxelas. Pode até causar problemas com um partido que está na aliança inicial, o PVV holandês, de Geert Wilders, que tem uma postura anti-imigração, mas para quem o anti-semitismo é intragável (Wilders, político que começou com uma forte veia anti-islão, recebe apoio de Israel e há alguns anos recusava qualquer associação com Jean-Marie Le Pen, classificando-o como “horrível”).

Em editorial, o diário Le Monde diz que Le Pen “lembra à sua filha de onde vem a Frente Nacional”. Le Pen pai já foi condenado por dizer, em 1987, que as câmaras de gás eram “um detalhe” na II Guerra – Marine Le Pen disse, por seu lado, em 2011, que os campos nazis eram “o supra-sumo da barbárie”.

Associações anti-racismo já anunciaram que vão pedir que lhe seja retirada a imunidade parlamentar (Jean-Marie é um dos 24 eurodeputados da FN), para o acusar de anti-semitismo. Outros responsáveis da Frente Nacional, incluindo alguns que sempre lhe foram leais, criticaram o erro e até chegaram a aconselhar-lhe a reforma. O presidente honorário da FN não recuou. À filha, não disse “nada”: “Não tenho nada a dizer, o que tiver, direi no seio das instâncias da Frente Nacional”, cita o site da revista Le Point. Mas confessou ver as declarações da filha “um pouco como uma traição”. Mais lembrou ter o título “vitalício” de presidente honorário do partido e criticou quem na FN fizer uma interpretação dos seus comentários como anti-semitas: “Quem, no meu campo, fizer isso, é um imbecil”.

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