Malásia pede ajuda a 25 países para encontrar avião desaparecido e saber mais sobre os passageiros
Críticas à actuação da Malásia sobem de tom. “Muito bem, boa noite” foi a última mensagem do piloto do voo 370 da Malaysia Airlines para os controladores aéreos.
Neste domingo, a conferência de imprensa conjunta do ministro da Defesa e dos Transportes, Hishammuddin Hussein, e dos responsáveis pela polícia e pela aviação civil malaia fez um ponto de situação sobre o desaparecimento do aparelho, que sábado foi considerado como “desviado” pelo primeiro-ministro malaio. A investigação, que passou por buscas à casa dos pilotos realizadas sábado, estende-se ainda aos passageiros, mas o chefe da polícia malaia disse que ainda não recebeu informações sobre alguns deles, apelando assim aos seus países de origem por mais dados. Hishammuddin Hussein reconheceu que esta passagem de 14 para 25 países envolvidos coloca “novos desafios” de “coordenação e diplomacia”.
Entre os 25 países que agora participam na investigação estão o Cazaquistão, o Uzbequistão, o Quirguistão, o Turquemenistão, o Paquistão, o Bangladesh, a Índia, China, Birmânia, Laos, Vietname, Tailândia, Indonésia, Austrália e França. Estes surgem depois de, sábado, o primeiro-ministro malaio ter anunciado que, dadas as novas informações sobre o percurso do aparelho depois de terem sido desligados os seus sistemas de comunicação e localização, dois novos corredores de buscas se tinham tornado prioritários: a região da Ásia Central até ao Cazaquistão e do sul do Índico à Indonésia. Esta manhã, o ministro dos Transportes malaio sublinhou que ambos os corredores possíveis de voo estão a ser analisados com igual prioridade. Dada a extensão da região agora a ser escrutinada, o ministro pediu aos 25 países envolvidos que “avancem” com outras informações para ajudar a “estreitar a zona de buscas”.
O responsável pela aviação civil malaia admitiu este domingo que é possível que o Boeing 777 estivesse no solo quando alguns dos sinais do voo foram captados pelos satélites, uma menção ao último sinal captado por um satélite que, segundo o New York Times, orbita sobre o meio do Oceano Índico e que permitiu concluir que viria de um dos dois corredores agora sob análise. Trata-se de uma ampla região que tanto percorre zonas quase “às escuras”, no sentido em que não são vigiadas ou captadas por imagens de satélite ou sinais de radar, como certas áreas do Índico, mas também países que são tanto marcados pela presença de tropas internacionais quanto por instabilidade e insurgência.
Entretanto, os familiares e amigos das 239 pessoas desaparecidas continuam a viver a sua angústia em público ou privado. Desde páginas de tributo nas redes sociais a vigílias, o drama daqueles que não sabem o que esperar do desfecho deste caso é descrito por uns como “suplício”, enquanto que outros mantêm a esperança e exigem informações à companhia aérea e às autoridades.
Os pilotos
Hishammuddin Hussein, tinha já revelado de madrugada no Twitter que a polícia falou com os amigos e familiares do capitão, Zaharie Ahmad Shah, nomeadamente sobre o seu simulador de voo e que todos os passageiros, tripulação e engenheiros que tenham tido contacto com o Boeing que realizaria o voo 370 estão também sob escrutínio.
O Ministério dos Transportes explicou em comunicado, citado pela AFP, que “a polícia efectuou buscas ao domicílio do piloto no sábado” e que há “especialistas prestes a examinar o seu simulador de voo”, além de terem sido também feitas buscas à casa do co-piloto de 27 anos. A tutela malaia descreveu estas buscas como procedimentos “normais”. Zaharie Ahmad Shah, de 53 anos, e Fariq Abdul Hamid, de 27 anos, ambos de nacionalidade malaia, não pediram para trabalhar juntos naquele voo, informou ainda este domingo na conferência de imprensa o ministro Hishammuddin Hussein.
O primeiro é um piloto experiente, que tinha um simulador de voo construído por si em casa (o que peritos do sector dizem não ser invulgar para profissionais dedicados), e o segundo um profissional que tinha acabado de terminar a formação necessária para pilotar o Boeing 777, considerado um dos aparelhos comerciais mais seguros do mundo. Na imprensa, os colegas e outras pessoas próximas dos dois pilotos têm descrito os dois homens como equilibrados e profissionais, com a excepção de uma sul-africana que diz ter feito, enquanto passageira e com uma amiga, um voo no cockpit com Fariq Abdul Hamid, algo que é proibido desde os atentados de 11 de Setembro de 2001.
No comunicado do Ministério dos Transportes malaio, citado pelo New York Times, as autoridades apelam “ao público para não tirar conclusões precipitadas quanto à investigação policial”, numa altura em que as responsabilidades das pessoas a bordo com experiência de pilotagem estão sob escrutínio e sabendo-se que várias fontes ligadas à investigação e à aviação disseram já que as manobras operadas pelo avião só podem ter sido efectuadas por pilotos experientes, por vontade própria ou sob coacção.
Esta madrugada (horas de Lisboa), soube-se também que as autoridades malaias se dedicaram a reconstituir os movimentos do voo 370. Segundo a agência de notícias AFP, foi utilizado um Boeing 777 idêntico ao da Malaysia Airlines para tentar perceber se os dados que os radares e os satélites tinham identificado como sendo do avião desaparecido eram fidedignos.
Os erros da Malásia
As críticas ao papel da Malásia neste caso têm-se agigantado na imprensa chinesa, com a agência estatal chinesa a escrever num texto de comentário que o anúncio de sábado do primeiro-ministro malaio em que se admitiu oficialmente pela primeira-vez que o desaparecimento do avião teria sido “deliberado” foi “terrivelmente” tardio. “É evidente que o anúncio de informações essenciais chega demasiado tarde”, lê-se no texto, que prossegue com queixas sobre “reticências [das autoridades malaias] em partilhar informações a tempo e horas”, algo categorizado como “inaceitável”. A Malásia “não pode esquivar-se à sua responsabilidade”, rematava a agência noticiosa, para o jornal Beijing Times a passar à carga contra o país por ter “desperdiçado” esforços em buscas “totalmente em vão” na região errada e se ter esforçado por desmentir hipóteses que se viriam a confirmar – a de desvio deliberado do aparelho.
O caso, que tanta atenção e discussão está a gerar mundo fora, é uma raridade na história da aviação comercial e um desafio aos investigadores e aos países agora envolvidos nas buscas, dada a vastidão da área de buscas – que envolve o Índico, cuja extensão e localização faz com que tenha inúmeras zonas onde não há cobertura por radar, satélites ou sequer outros veículos, aéreos ou marítimos, a passar, ou os picos dos Himalaias. E o New York Times publica este domingo um relato dos vários erros cometidos ao longo não só da investigação, mas durante o tempo de voo do avião à medida que estava já a afastar-se da sua rota e depois de ter desligado os seus sistemas de localização e comunicações.
As críticas vindas da China vão ao encontro de um dos factos relatados pelo jornal, que escreve que Rodzali Daud, comandante da Força Aérea malaia, sabia dos dados que o primeiro-ministro malaio partilhou sábado com o mundo: que um voo não identificado, que se viria a revelar ser o Boeing da Malaysia Airlines, foi detectado por um radar militar ainda em voo e numa rota distinta, dirigindo-se para o lado oposto ao do seu destino previsto. Souberam-no no dia em que o avião não chegou a Pequim, mas só tornaram pública a informação, com reticências, quatro dias depois, e as buscas focaram-se durante uma semana no Golfo da Tailândia - como se o aparelho se tivesse despenhado na sua rota inicial rumo a oriente. Durante este período, os motores continuaram a funcionar seis horas depois do seu último sinal para os radares, dados confirmados por satélite e oficializados no sábado pelo primeiro-ministro malaio mas que a imprensa relatava há muito, citando nomeadamente o fabricante dos motores do Boeing.
E logo à partida, quando se sabia que o avião tinha desaparecido mas que não estava a ser identificado pelos sistemas normais de localização de bordo, houve um erro. O diário norte-americano cita fontes da investigação que relatam falhas como aquela que não identificou a mudança de rota do voo e o ponto no radar que mostrava um avião não autorizado a sobrevoar zonas densamente povoadas até rumar ao Estreito de Malaca – uma equipa de quatro pessoas da Força Aérea malaia, que tinha o apoio de caças norte-americanos em caso de emergência na base de Butterworth, não deu ou não reportou o pontinho no radar que surgiu sem permissão. Duas outras bases aéreas com radares militares em Kota Bharu não viram ou não relataram o ponto que se movia no ecrã de leste para oeste.
“O facto de que [o aparelho] voou sobre a Malásia sem o Exército malaio reparar é simplesmente estranho – não só estranho, mas também muito incriminador e trágico”, disse ao jornal David Learmount, editor do site de informações de aviação Flightglobal. Assim, nem os jactos que poderiam ter sido destacados para ver de perto o que se passava com o Boeing 777 foram usados quando o avião ainda estava no ar, nem as buscas foram eficazes. Tudo foi dificultado pelo facto de o ACARS (usado para mandar mensagens curtas por satélite ou rádio) e o transmissor (envia um sinal que identifica o avião ao radar) a bordo terem sido desligados, em momentos diferentes, um dos primeiros indícios de que o avião terá sido desviado intencionalmente.