Maioria dos portugueses aceita mais cortes na despesa do Estado
Os resultados do estudo de opinião Transatlantic Trends mostram que a América e Europa convergem na sua visão do mundo, mas a crise continua a dividir a União Europeia.
Os resultados do estudo de opinião que o German Marshall Fund (EUA) realiza anualmente desde 2002 com o objectivo de avaliar a relação transatlântica foram apresentados em Lisboa, na Fundação Luso-Americana (FLAD), o parceiro português da iniciativa. O inquérito à opinião pública inclui hoje, para além dos Estados Unidos, 11 países da União Europeia (Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Itália, Holanda, Portugal, Eslováquia, Suécia, Polónia, Roménia) mais a Turquia.
O estudo permite confirmar que a crise se reflecte de forma inequívoca no olhar dos portugueses sobre a União Europeia e o euro, mas também sobre o Governo nacional: 49% ainda vêem a União com um olhar favorável (69% em 2012). A nível europeu, 57% dos inquiridos consideram que a União é boa para as suas economias, mas com variações acentuadas: desde os 71% na Alemanha até 40% no Reino Unido.
O euro é considerado como um factor negativo para a economia por uma maioria de portugueses, embora uma maioria também não queira regressar à moeda nacional. A mesma tendência verifica-se em quase todos os países em maiores dificuldades, incluindo a França.
Da mesma forma, cresceu acentuadamente a desaprovação portuguesa à forma como o Governo está a gerir a crise (70% dos inquiridos), o que não quer dizer que não haja uma visão realista sobre o que é preciso fazer: 70% dos inquiridos em Portugal consideram que é preciso cortar na despesa pública. Também aqui há uma tendência comum aos países do Sul (com excepção da Espanha). Carlos Gaspar chamou a atenção para o facto de a França revelar, pela primeira vez, uma visão próxima do grupo de países do Sul numa série de aspectos, vendo-se a ela própria como um país em crise e acentuando a clivagem europeia entre Norte e Sul.
Convergência transatlântica
O resultado da sondagem de 2013 (realizada em Junho deste ano) confirma plenamente uma tendência de aproximação entre os dois lados do Atlântico, que reconhecem mutuamente a importância das respectivas lideranças no mundo (57% dos americanos dizem que é desejável que a União Europeia exerça uma liderança forte; 55% dos europeus inquiridos são a favor de uma igualmente forte liderança americana). Mas os europeus continuam fiéis a Barack Obama: 69% aprovam a política internacional do Presidente norte-americano (em Portugal são 75%).
Os dois lados olham com os mesmos olhos (cada vez menos simpáticos) a liderança da Rússia e a emergência da China. Quanto à Rússia, a visão europeia consegue ser ainda mais negativa do que a americana (65% na Europa e 46% nos EUA). Sobre a liderança da China (a pergunta é nova) 47% dos americanos consideram-na indesejável e 58% têm uma apreciação desfavorável da China, para 65% dos europeus (61% em Portugal). A diferença está em que a China é vista mais como uma ameaça económica (e menos como uma oportunidade) pelos europeus, enquanto os EUA tendem a vê-la como uma oportunidade mas também como uma ameaça militar.
É notório nos últimos inquéritos que europeus e americanos estão a convergir na sua visão dos problemas mundiais, incluindo no recurso à força. Uma muito menor apetência por intervenções militares nos Estados Unidos (devida às guerras no Iraque e no Afeganistão) com a crónica falta de apoio dos europeus acaba também por fazer convergir os dois lados na mesma direcção. Esta mega-sondagem foi realizada antes dos últimos desenvolvimentos na Síria, com a utilização de armas químicas pelo regime de Damasco a 21 de Agosto. Não mede ainda a influência deste acontecimento na opinião pública. Mas, de ambos os lados, a tendência é fortemente no sentido de não apoiar qualquer intervenção. Na Europa, 72% (mais 13% que em 2012) e 62% nos EUA (mais 7%).
O apoio à NATO mantém-se sólido nos EUA e entre os seus aliados europeus, mas a tendência, mesmo na América, é para olhar a Aliança Atlântica mais como uma aliança de democracias do que como um instrumento militar.
Divergência europeia
O estudo confirma que se agravam as divisões internas na União Europeia, da mesma maneira que cresce a avaliação negativa da Europa e do euro, mesmo que ninguém (nomeadamente, os países em crise) queira desistir nem de um nem de outro. Mas os efeitos da crise são indisfarçáveis. Os europeus dos países considerados no estudo são cada vez mais críticos da forma como os respectivos governos nacionais gerem a economia (62% para 41% em 2012). Mas há grandes variações. Em França, esse valor aumenta de 57% para 74%, seguindo a mesma tendência verificada em países como Portugal, Polónia ou Espanha. Na Alemanha e na Suécia, embora a percentagem seja menor do que em 2012, uma maioria aprova a gestão nacional da situação económica, reflectindo a forma como o Norte e o Sul estão a viver esta crise. Em Portugal, 90% dos inquiridos declaram-se afectados pela crise. Na França esse valor atinge os 65%, na Alemanha ou na Suécia verifica-se o contrário: 56% dos alemães e 70% dos suecos não se sentem afectados.
Quanto à União Monetária, 60% dos inquiridos europeus dizem que o euro foi mau para a sua economia. Curiosamente, é na Alemanha que o euro é visto como mais positivo (52%). Isso não significa que alguém queira abandoná-lo. Quando o inquérito pergunta ao universo dos europeus que vêem o euro como uma coisa má se querem regressar às suas antigas moedas, a resposta é maioritariamente negativa. Em França (64%) como em Portugal (65%), na Itália ou na Espanha. A mesma pergunta apenas tem uma maioria de resposta positivas na Alemanha e na Eslováquia. Outro factor relevante para as decisões que a Europa terá de tomar no futuro: uma maioria crescente manifesta-se contra o controlo dos orçamentos nacionais e das políticas económicas por Bruxelas (68% para 57% no ano passado e 55% em 2011). Os valores mais altos registam-se na Holanda, Espanha, mas também Reino Unido e Suécia. Os alemães, pelo contrário, vêem essa concentração do poder orçamental como positiva, mesmo que cada vez menos.
A especificidade portuguesa
Portugal não é apenas o país em que 90% da população se vê afectada pela crise. É também o país que mais apoia a redução das despesas do Estado (70%). Já era assim em 2012. É também um dos países, com a Espanha e a Itália, que pensam que a chanceler alemã, Angela Merkel, está a gerir mal a crise, pior do que a União Europeia, mas melhor do que o Governo nacional. Haverá várias explicações para isto. Mas, não sendo os portugueses estúpidos ou facilmente manipuláveis, a explicação mais racional é que não houve ainda verdadeiros cortes naquilo que vêem como despesa do Estado. Houve redução de salários e de pensões, o que não é exactamente a mesma coisa. É interessante ver quais são os países que defendem cortes na despesa pública e os que querem que se mantenha ou mesmo que aumente. Logo depois de Portugal vem a França, facto inédito, depois a Itália. Situação oposta verifica-se nos países do Norte, desde a Alemanha à Holanda ou ao Reino Unido.
O caso da França
Carlos Gaspar chamou a atenção para um caso particular de mudança de percepção que pode ter consequências importantes. Em 2012, a França alinhava claramente as suas percepções com os países do Norte. Em 2013, começa a alinhar claramente com os países do Sul, que sofrem mais duramente a crise. “Vê-se a si própria como um país da crise”, diz o investigador do IPRI. Isso é evidente, não apenas na percepção sobre a necessidade de reduzir as despesas do Estado, mas também na perda de credibilidade das instituições nacionais e numa visão mais crítica das instituições europeias, do euro e na defesa da soberania sobre as decisões orçamentais e as políticas económicas. As respostas aproximam-se das que são dadas por portugueses, italianos ou espanhóis.