Londres extraditou para a Jordânia o pregador radical Abu Qatada
Há oito anos que o Reino Unido tentava expulsar um líder religioso que terá influenciado os autores de vários atentados.
Faltavam poucos minutos para as 3h (mesma hora em Portugal continental) quando o avião que transportava Qatada levantou voo da base aérea de Norfolk, a nordeste de Londres, relataram jornalistas autorizados a testemunhar os últimos minutos da saga judicial. Assim que o aparelho descolou, os responsáveis do Ministério do Interior britânico “respiraram de alívio”, escreveu o especialista em questões de segurança da BBC Dominic Casciani, explicando que até ao último minuto o Governo britânico receou que Qatada recuasse na decisão de não contestar o acordo que abriu a porta à sua extradição.
Quatro horas depois, o avião aterrou no aeroporto militar de Marqa, nos arredores de Amã, tendo de imediato sido conduzido por agentes jordanos a um tribunal militar. “Abu Qatada foi submetido a um interrogatório com vista a um novo processo”, que decorrerá com “equidade, credibilidade e transparência”, disse um porta-voz do Governo jordano.
Julgado à revelia em 1999, quando estava já exilado em Londres, Qatada foi condenado à pena de morte, mais tarde comutada em prisão perpétua, por envolvimento num alegada conspiração para atacar turistas norte-americanos e israelitas. O julgamento será agora repetido e a Jordânia, ao abrigo do tratado assinado com Londres, comprometeu-se a não usar em tribunal quaisquer provas que tenham sido obtidas sob tortura.
Foi este acordo, ratificado em Junho pelos Parlamentos dos dois países, que abriu caminho a uma deportação que o Reino Unido tentava levar a cabo, sem sucesso, desde 2005. Após esgotar todos os recursos disponíveis no país, Qatada viu o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) bloquear o processo, precisamente por considerar que a Jordânia poderia usar contra ele provas obtidas sob tortura.
Londres quer agilizar deportações
Reagindo ao fim de um processo que se tornara um quebra-cabeças para Londres – que considerava Qatada um perigo para a sua segurança, mas sem provas que permitissem julgá-lo por qualquer acto terrorista –, o primeiro-ministro britânico declarou-se “encantado” com a extradição. “Como muitos britânicos, o meu sangue fervia de ver o tempo que demorou e como foi difícil expulsar um homem que não tinha direito de estar aqui e que era uma ameaça para o nosso país”, afirmou David Cameron.
Também a ministra do Interior, Theresa May, lamentou que tenham sido gastos 1,7 milhões de libras longo no processo judicial e anunciou que o Governo quer agilizar os processos de extradição, reduzindo o número de recursos disponíveis e admite mesmo rever as relações com o TEDH.
Jordano de origem palestiniana, Qatada chegou ao Reino Unido em 1993, conseguindo estatuto de refugiado alegando ter sido torturado pelas autoridades do seu país. Na década seguinte tornou-se um dos pregadores muçulmanos mais influentes dos subúrbios da capital – que os críticos da política de asilo britânica haveriam de cunhar como “Londonistão” – com sermões que se foram tornando cada vez mais radicais: defendia a imposição da sharia nos países muçulmanos, aprovava a jihad armada contra os déspotas árabes e as forças estrangeiras aí instalada e, numa prédica sobre a Argélia em 1995, chegou mesmo a considerar legítima a morte das mulheres e dos filhos de “apóstatas” (os que renegam a sua religião).
Apesar de sinalizado pelos serviços secretos, as autoridades nunca provaram a sua ligação formal a grupos terroristas, mas depois de 2001 ficou clara a influência que ganhara junto deles. A BBC recorda que tanto Richard Reid, que ficaria conhecido como “o bombista dos sapatos” depois de ter tentado detonar explosivos aí escondidos a bordo de um avião, como Zacarias Moussaoui, detido dias antes dos atentados do 11 de Setembro, se aconselharam com ele. Alguns dos seus sermões foram também encontrados nos apartamentos de Hamburgo usados por alguns dos autores dos atentados. Ligações que lhe valeram a alcunha de “embaixador de Bin Laden na Europa”, e que levaram o antigo juiz espanhol Baltazar Garzón a referir-se-lhe como “o líder espiritual dos mujahedin no Reino Unido”.
Viria, por isso, a ser detido ao abrigo das leis antiterroristas aprovadas por Londres depois de 2001, tendo passado a maior parte dos últimos 12 anos na prisão. Os seus advogados garantem, no entanto, que Qatada nunca deu o seu aval a acções armadas fora dos países muçulmanos, concebendo apenas a jihad como um dever de luta contra os regimes ditatoriais.