José Eduardo dos Santos celebra 40 anos da independência de Angola sob pressão
É um país que não atravessa o seu melhor momento que está em festa. O foco estará no Presidente, que está há 36 anos no poder.
A celebração foi preparada com grande cuidado e pompa. Em Luanda, sete mil convidados vão assistir a uma parada militar para celebrar a independência de Angola. Mas a “festa nacional” está ensombrada — o país não atravessa o seu melhor momento e a pressão acumula-se sobretudo sobre uma figura, José Eduardo dos Santos, que há 36 anos é o Presidente de um país que só tem 40.
É sobre ele que caem as críticas, pesadas e que surgem de muitos lados. Terça-feira, dia em que a festa já decorria — Santos inaugurou o novo edifício da Assembleia Nacional, em Luanda, e, depois houve concertos numa praça da cidade, por Stevie Wonder e os Jackson 5, segundo a AFP —, as queixas foram feitas por um país amigo, a China, que exigiu protecção para os seus cidadãos que estão a ser raptados ao ritmo de um em cada dois dias (título do jornal online Rede Angola). “Pedimos às autoridades angolanas que tenham em atenção os interesses [leia-se segurança] dos investidores chineses”, escreveu a Câmara de Comércio Chinesa num comunicado enviado ao Governo de Luanda e citado pela Reuters.
Esta quarta-feira, e para coincidir com o aniversário, a Amnistia Internacional (AI) publicou um relatório que começa por dizer que “as celebrações da independência ficam manchadas pelo intensificar da repressão dos direitos humanos”. O Presidente José Eduardo dos Santos "estrangula cada vez mais a liberdade de expressão em Angola”, diz a AI.
“Quarenta anos depois da independência, muitos angolanos ainda têm um longo caminho antes de alcançarem a liberdade no que diz respeito aos direitos humanos. Aqueles que expressam pontos de vista diferentes dos do regime são submetidos a um tratamento brutal”, diz no documento Muleya Mwananyanda, directora da AI para o Sul de África.
O documento faz referência aos activistas detidos em Junho e acusados de pretenderem preparar um golpe contra o Presidente. O caso ganhou atenção internacional depois de um deles, o rapper Luaty Beirão, ter feito uma greve de fome de 36 dias (um dia por cada ano de Santos na presidência). As liberdades cívicas e políticas em Angola vão estar novamente sob os holofotes a partir de segunda-feira, 16 de Novembro, dia em que começa em Luanda o julgamento do grupo.
Nem a página da presidência angolana nem o oficial Jornal de Angola diz se José Eduardo dos Santos vai falar nas celebrações desta quarta-feira. É provável que o faça, perante os convidados, nacionais e estrangeiros (cerca de cem), entre eles o ex-Presidente português António Ramalho Eanes, que segundo a Lusa estará na cerimónia a título pessoal — era o chefe de Estado português quando Santos chegou ao poder, escassos três anos depois da independência e na sequência da luta intestina no Movimento para a Libertação de Angola (MPLA) depois do desaparecimento de Agostinho Neto, que morreu de cancro. Foi Neto quem, a 11 de Novembro de 1975, proclamou a independência, em Luanda, criticando Portugal (o país colonizador) por não ter reconhecido o MPLA como o “único representante legitimo” do povo angolano.
O novo país que vivera décadas mergulhado numa guerra pela libertação entrou numa longa e sangrenta guerra civil, que só terminou com a morte do líder da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), Jonas Savimbi, e da assinatura dos acordos de Luena, em 2002.
Em paz, Angola pôde viver alguns anos de estabilidade e prosperidade. Mas erros de gestão — apontados a Eduardo dos Santos, que é o chefe de Estado e de Governo e que é responsabilizado por ter baseado a economia e o crescimento apenas na produção de petróleo — mergulharam o país numa nova crise, esta derivada de circunstâncias que também vieram de fora. A crise actual, diz uma análise da Lusa, é sobretudo fruto da quebra nos preços do petróleo, o que fez diminuir as receitas com a exportação do barril de crude e também a entrada de divisas no país.
Na sexta-feira, o Fundo Monetário Internacional anunciou prever um “aumento significativo” da dívida pública angolana em 2015. O documento reconhece o forte impacto da crise petrolífera nas contas do Estado, identificando que a dívida pública deverá elevar-se no final do ano ao equivalente a 57,4% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja 54,4 mil milhões de euros), um aumento face ao peso de 42,2% do PIB em 2014. A dívida contraída pela estatal petrolífera Sonangol corresponde a 14,7% do PIB este ano, nas contas do FMI.
Entre outras linhas de apoio, o Governo angolano fechou nos últimos meses empréstimos com o Banco Mundial, no valor de 418 milhões de euros, e uma nova linha de apoio financeiro da China, no valor de 5,5 mil milhões de euros.
30 artistas em concerto pela liberdade
São 30 artistas, entre eles Sérgio Godinho, Batida e Ana Moura, que nesta quarta-feira, o dia em que Angola celebra 40 anos de independência, dão um concerto de apelo à liberdade e pelos presos políticos angolanos.
O concerto realiza-se no jardim da Amnistia Internacional, em Campolide, e também serve para refletir “sobre o que têm sido estes 40 anos de independência de Angola”, disse à agência Lusa a cantora Selma Uamusse, uma das organizadoras do espectáculo. “Isto não é nenhuma provocação nem é uma luta política. É uma preocupação pelo que se passa em Angola. É uma acção pelos direitos humanos”, disse, referindo que o concerto é uma iniciativa independente que se junta às vigílas regulares que têm acontecido em Lisboa.
Além dos artistas já referidos, sobem ao palco a partir das 18h Eneida Marta, Tó Trips, Samuel Úria, Luís Varatojo, Bob da Rage Sense, Rita Redshoes, Sara Tavares, Octapush, Márcia, Luís Caracol e Couple Coffee, entre outros. António Macedo e Fernando Alvim apresentam.