Jornalista angolano acrescenta "elementos" a inquérito que visa dirigentes do seu país

Rafael Marques entregou à PGR portuguesa elementos sobre eventuais "conflitos de interesses" do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, accionista do Banco Angolano de Investimentos, com filial em Portugal.

Foto
Jornalista Rafael Marques defende que Portugal devia pôr em causa a presença do BAI no país Daniel Rocha

De acordo com Rafael Marques, o maior banco angolano, o Banco Angolano de Investimentos (BAI) “não deve operar em Portugal”. “Portugal deve conformar-se às medidas internacionais de combate a branqueamento de capitais, que inclui limites severos às operações e transacções financeiras utilizadas por bancos constituídos por pessoas politicamente expostas?”, questiona retoricamente. Marques dá como exemplo o facto de o BAI não poder “realizar operações através dos EUA”. O termo Pessoas Politicamente Expostas (PPE) designa detentores de cargos públicos.

O BAI Angola está presente em Portugal desde 1998, mas em 2002 mudou o estatuto jurídico para filial como BAI Europa, sendo que o principal accionista, com 99,9% do capital social, é o BAI. O administrador do BAI Europa José Tavares Moreira disse ao PÚBLICO desconhecer se Manuel Vicente é accionista daquela instituição. Afirmou: “Se já era accionista antes de ser membro do Governo não vejo qual é o problema. Mas desconheço completamente esse tema.”

Tavares Moreira “admite” que o maior accionista do BAI “seja a Sonangol”. No entanto, escusou-se a dar informações sobre os accionistas justificando com o facto de responder pelo BAI Europa e negou que este funcionasse “como um banco de pessoas politicamente expostas”. Disse: “Os accionistas do BAI não são os accionistas do BAI Europa, quem detém o BAI Europa é o BAI. O BAI Europa é supervisionado pelo Banco de Portugal, tem uma política absolutamente transparente.” 

Entretanto, Rafael Marques acabou de fazer um requerimento para ser assistente no processo de inquérito-crime o que significa que passa a ter acesso ao processo, a ser notificado das diligências ou a ter acesso a documentos que estejam em segredo de justiça para o exterior – além disso, se o processo for arquivado, pode recorrer da decisão.

O caso, aberto pelo Departamento de Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) português, começou com uma denúncia de um cidadão angolano – Rafael Marques tem prestado depoimentos. Recentemente, depôs sobre as filhas de José Eduardo dos Santos, Tchizé e a empresária Isabel dos Santos, Manuel Vicente, o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, entre outros.

No relatório e contas de 2011 do BAI, Manuel Vicente aparecia no conselho de administração, mas na actual página da Internet o seu nome não consta. Vicente foi presidente do conselho de administração da Sonangol, a petrolífera que é a base da economia angolana. Ocupou e ainda ocupa, segundo informações da Bloomberg, lugares no conselho de administração de bancos angolanos e portugueses. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, entrar em contacto com vários assessores que fazem a ponte com a vice-presidência angolana.

EUA alerta
Em 2010, a sub-comissão de segurança interna e relações governamentais do senado norte-americano publicou o relatório “Manter a corrupção estrangeira fora dos Estados Unidos” onde apresenta quatro casos, entre eles o de Angola, que expõem “as tácticas usadas pelas pessoas politicamente expostas e os seus facilitadores para levar para os EUA fundos suspeitos”. Nele investiga dirigentes angolanos, como Manuel Vicente e o presidente do conselho de administração do BAI, José Carlos Paiva.

Os senadores norte-americanos revelavam que o maior accionista do BAI era a Sonangol, então dirigida por Vicente – que, por sua vez, tinha 5% do BAI através de uma offshore, a ABL – criada, segundo informações fornecidas no relatório, “para permitir alguma privacidade em relação a este investimento”. “Como a Sonangol é uma empresa estatal e uma força poderosa na política e economia angolanas, os seus executivos são considerados PPE, o que significa que a liderança do BAI, assim como os seus detentores e clientes, inclui PPE”, sublinham.

O BAI entrou no mercado norte-americano através do HSBC de Nova Iorque, usando durante anos “os serviços de transferência bancária, a troca de moeda estrangeira e cartões de crédito americanos apesar de fornecer informações duvidosas sobre os seus accionistas”, dizem. E criticam o HSBC por não ter identificado o BAI como um “cliente de alto risco”, apesar de este se ter recusado várias vezes a entregar a lista dos proprietários.

Além disso, sublinham os senadores, José Carlos Paiva controlava também 5% do BAI através de uma offshore e mais 13,5% através de outras duas offshores – Paiva é, por sua vez, presidente da Sonangol Reino Unido. Mais à frente revelam o “problema severo de corrupção corrente em Angola”, que “levou o Citibank a fechar todas as contas associadas ao Governo angolano e à Sonangol em 2003.”

O documento conclui que o BAI era “exactamente o tipo de instituição financeira estrangeira que o Patriot Act queria que fosse alvo de maior monitorização”. Em 2001, recorda, o Patriot Act exigiu aos bancos que aplicassem medidas de escrutínio extra a conta privadas de “figuras políticas, os seus familiares e associados próximos”. Em sequência desta investigação, o HSBC americano cortou relações com os bancos angolanos.

Em Julho, Rafael Marques lançou uma campanha no seu site Maka Angola – onde tem divulgado casos de corrupção e violações de direitos humanos em Angola – em que apelava ao fim das relações com o BAI. Aí revelava que “os dirigentes e os seus antigos colegas detêm um total de 47,75% das acções do BAI. Por sua vez, 42,25% está distribuído entre empresas privadas angolanas, ligadas a figuras do poder, gestores nacionais e estrangeiros do banco, bem como empresas estrangeiras. Os restantes 10% são detidos pela Sonangol (8,5%) e pela Empresa Nacional de Diamantes, Endiama (1,5%).”

O jornalista defende que Portugal, que aderiu à convenção das Nações Unidas contra a corrupção, deveria pôr em causa a presença do BAI em Portugal. Esta convenção não obriga os Estados membros a participar, “trata-se apenas de voluntarismo em aderir às boas práticas”, explica Luís de Sousa, presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC), o braço português da Transparency International, organização de combate à corrupção. Em Portugal não se deveria deixar de perguntar “se o dinheiro que é investido cá está a ser investigado”, acrescenta o também politólogo.

Neste momento o Ministério Público está a investigar o caso, recolhendo documentação e outras provas, nomeadamente ouvindo testemunhas. Os políticos angolanos que são referidos na comunicação social poderão ainda não ter sido contactados. Depois do inquérito, o MP decide se arquiva o processo ou deduz acusação.

Sugerir correcção
Comentar