John F. Kennedy ponderou intervir militarmente no Brasil
Os militares preparavam o golpe contra o Presidente Goulart. Foram bem-sucedidos e instauraram uma ditadura de 21 anos.
Goulart chegou à Presidência do Brasil em 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros, que esteve apenas sete meses na presidência. "Fui vencido pela reacção", escreveria Jânio na carta de renúncia. Como vice-presidente, Goulart chegou à chefia do Estado como mandava a Constituição, mas os militares contestaram a sua tomada de posse e iniciaram quase de imediato uma conspiração para tomar o poder – o novo Presidente, diziam, representava um perigo para o Brasil devido ao seu vínculo com os comunistas e socialistas.
Foi numa reunião na Casa Branca nos dias 7 e 8 de Outubro de 1963 que o Presidente Kennedy levantou a possibilidade de os EUA agirem militarmente no Brasil. Discutia-se a crise neste país e a guerra no Vietname e, a 7, Kennedy reuniu-se a sós com o embaixador americano em Brasília, Lincoln Gordon, que estava no Brasil desde 1961 e era o interlocutor dos militares conspiradores. “A situação está a seguir o rumo certo ou pensa que é aconselhável que façamos uma intervenção militar?", pergunta Kennedy na gravação feita pela própria Casa Branca. O embaixador responde que o cenário da intervenção já está sobre a mesa caso Goulart fizesse uma inflexão à esquerda.
A intervenção não aconteceu, mas o apoio diplomático americano aos golpistas – o sucessor de Kennedy, Lyndon Johnson, deu seguimento ao plano traçado quanto ao Brasil –, refere o jornal Folha de São Paulo, foi essencial para a vitória do golpe militar que, a 1 de Abril de 1964, instaurou uma ditadura que duraria 21 anos.
A pergunta de Kennedy foi revelada no site dos Arquivos da Ditadura, uma massa documental que o jornalista Elio Gaspari (hoje colunista da Folha e do Globo) reuniu ao longo dos anos. Os documentos serviram para que escrevesse A Ditadura Envergonhada, livro agora reeditado com esta novidade. O livro recorda que Johnson manteve a Operação Brother Sam, que previa que os EUA fornecessem apoio logístico aos golpistas caso eclodisse uma guerra civil no Brasil.
À Folha de São Paulo o historiador brasileiro Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse que a gravação vem confirmar o teor de outros documentos que mostram que, desde 1962, a Casa Branca incentivava um golpe no Brasil.
As revelações surgem num momento em que o Brasil devolveu, simbolicamente, a presidência a João Goulart – a 2 de Abril de 1964, um dia depois do golpe, o Congresso declarou a presidência vaga e anunciou que o Presidente estava fora do país. O presidente do Congresso, Renan Calheiros, pediu desculpas “pelas inverdades praticadas pelo Estado brasileiro” contra um “patriota”.
Decorre ainda uma investigação às causas de morte de Goulart. Os seus restos mortais foram exumados com o objectivo de apurar se "Jango", como era conhecido, morreu de enfarte, como diz a versão oficial, ou se foi assassinado por agentes da ditadura militar, como diz há muito a sua família.
Em Dezembro, uma comissão que investiga os crimes da ditadura militar divulgou que a morte, em 1976, do antigo Presidente Juscelino Kubitschek, que governou o Brasil entre 1955 e 1960, também não foi acidental, mas um assassínio político orquestrado por agentes da ditadura. João Goulart foi também vice-presidente de Kubitschek.