Jihadistas promovem-se e desafiam Obama com decapitação de jornalista
Carrasco de James Foley será um britânico responsável pelo cárcere dos reféns estrangeiros. Presidente americano afirma que Estado Islâmico é um "cancro" que deve ser extraído.
As imagens são a cópia quase exacta de um outro horror: a decapitação perante as câmaras de Daniel Pearl, jornalista americano que foi sequestrado e morto pela Al-Qaeda no Paquistão, em 2002.
Foley, freelancer a trabalhar para o site GlobalPost e agência AFP, foi sequestrado a 22 de Novembro de 2012 na província síria de Idlib, quando tentava regressar à fronteira turca após várias reportagens em Alepo, a cidade que já foi a capital económica do país e que é hoje um campo de batalha onde só entram os jornalistas dispostos a arriscar a vida.
Ele já tinha estado no Afeganistão, Iraque e na Líbia (onde esteve preso durante seis semanas pelas forças de Khadafi) e era um dos poucos repórteres desaparecidos na Síria cuja identidade era conhecida. Talvez por isso tenha sido o escolhido pelo EI para a horripilante “Mensagem à América”.
No vídeo – que foi publicado no YouTube e partilhado vezes sem conta no Twitter antes de ter sido removido –, Foley surge ajoelhado no chão, de cabeça rapada e vestido com um uniforme laranja que lembra os usados pelos “combatentes inimigos” presos em Guantánamo. Claramente coagido, o jornalista atribui o destino à “complacência e criminalidade” do Governo americano.
Ao seu lado, um combatente de quem são apenas visíveis os olhos afirma, num inglês de sotaque londrino, que a execução prestes a acontecer é a resposta do EI aos bombardeamentos americanos. Ataques que, desde dia 8, permitiram quebrar o cerco aos refugiados yazidis e abriram caminho às forças curdas para reconquistar a barragem de Mossul. “Já não estão a combater rebeldes, mas um Exército islâmico e um Estado aceite por muitos muçulmanos em todo o mundo”, diz .
O extremista aproxima depois uma faca do pescoço de Foley – as imagens dão lugar a um fundo negro e, quando reaparecerem, é mostrado o corpo decapitado do jornalista. O vídeo termina com a imagem de Steven Joel Sotloff, um outro freelancer norte-americano raptado na fronteira entre a Síria e Turquia, em Agosto passado. “A vida deste cidadão americano, Obama, depende da tua próxima decisão”, ameaça o homem embuçado.
A resposta do Presidente americano foi inequívoca, apesar da ameaça pendente sobre Sotloff. “Um grupo como o EI não tem lugar no século XXI” e Washington continuará a fazer “tudo o que for necessário para proteger o povo americano”, afirmou Obama, prometendo trabalhar com aliados e parceiros regionais para “extrair este cancro e evitar que alastre”. Na breve declaração, sem direito a perguntas, elogiou o trabalho de Foley e recusou a ideia de um choque de civilizações. Os jihadistas “não falam em nome de nenhuma religião” e, apesar de se dizerem em guerra com o Ocidente, “estão a matar muçulmanos, tanto sunitas como xiitas, aos milhares”, a “sequestrar e torturar mulheres e crianças”.
Já depois do anúncio, o Pentágono deu conta de 14 ataques aéreos contra alvos do EI e o Departamento de Estado pediu até 300 militares para reforçar a segurança do seu pessoal no Iraque, juntando-se aos 800 enviados até ao momento. Ao final do dia desta quarta-feira, o Pentágono admitiu também ter tentado resgatar James Foley e outros reféns neste Verão, mas não obteve sucesso.
Uma arma de propaganda
O vídeo, editado de forma profissional e falado em inglês, foi feito para as audiências no Ocidente, num repto que vários analistas dizem ter como principal objectivo arrastar os Estados Unidos para a guerra que se trava em duas frentes, entre a Síria e o Iraque. “Apesar de apresentado como uma punição pelos ataques aéreos, o EI quer levar Obama a retaliar e a expandir as operações à Síria”, escreveu no Twitter Charles Lister, especialista norte-americano em grupos jihadistas.
Trata-se, lembrou a Reuters, de uma inversão de estratégia de um grupo que, ao contrário da Al-Qaeda, deu prioridade à conquista de território para aí proclamar um califado. Uma “demonstração de força” com riscos, mas que tem um duplo objectivo: aterrorizar os inimigos (usando massacres e execuções como cartão de visita) e, ao mesmo tempo, afirmar a sua posição como o grupo que faz frente ao poderio militar americano, tentando cativar mais adeptos para as suas fileiras, seja nos países muçulmanos seja nas cidades da Europa.
“O terrorismo é por definição uma estratégia de comunicação” e, “se a maioria das pessoas no mundo se sentem horrorizadas, ela atrai os elementos radicalizados da sociedade”, disse à AFP Max Abrahms, professor de Ciências Políticas da Northeastern University, nos EUA.
É essa ameaça que mais alarma e impele à acção os governos ocidentais, de outra forma pouco desejosos de uma nova intervenção militar no Médio Oriente. Já são conhecidas muitas histórias de europeus e americanos envolvidos nas atrocidades cometidas pelo EI na Síria ou no Iraque, mas a imagem de um alegado britânico a decapitar um jornalista para as câmaras tornou ainda mais macabra a realidade.
“Ainda não identificámos o indivíduo responsável por este acto, mas, pelo que podemos avaliar, parece cada vez mais provável que se trata de um cidadão britânico”, reconheceu o primeiro-ministro David Cameron.
O jornal Guardian adianta, citando fontes na Síria, que o suspeito lidera um grupo de três jihadistas britânicos responsáveis por guardar os reféns do EI islâmico na cidade de Raqqa, a capital do autoproclamado califado. As secretas britânicas, com o apoio da Scotland Yard, estão ainda a tentar apurar a sua identidade, mas o jornal adianta que o homem, que se apresenta como John, foi o principal negociador nos contactos que em Março levaram à libertação de 11 reféns, incluindo dois jornalistas espanhóis.
Ninguém sabe ao certo quantos estrangeiros combatem nas fileiras do Estado Islâmico – em Janeiro, o "patrão" das secretas americanas, James Clapper, dizia que poderiam ser até 7500, oriundos de 50 países; os britânicos admitem que há pelo menos 500 dos seus cidadãos a combater; a França aponta para pelo menos 600. “Estas pessoas não vão morrer em combate no Iraque e na Síria. Muitos vão regressar aos seus países de origem, tornando-se potenciais terroristas”, afirmou recentemente à Reuters Masrour Barzani, chefe do Conselho de Segurança do Curdistão iraquiano.
Impelidos a agir, a França propôs uma cimeira internacional, juntando os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e os países vizinhos do Iraque, para discutir uma “estratégia global” contra os jihadistas. Berlim confirmou que vai enviar ajuda militar aos curdos, incluindo armamento.