Igreja Católica angolana abre guerra à feitiçaria
Leigos e religiosos podem ser impedidos de comungar. O problema vai ao ponto de “perturbar a ordem pública, devido à prática de justiça privada”, denunciam bispos.
A decisão foi tomada na semana passada e pretende responder ao “incremento” da crença na feitiçaria, um fenómeno que está a alarmar a hierarquia católica e foi apresentado como uma “praga cultural” pelo arcebispo José Manuel Imbamda, porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé.
O comunicado final da assembleia geral da conferência episcopal, que terminou na semana passada em Luanda, e em que foi aprovada uma nota pastoral sobre feitiçaria, fala em “penas de interdição e suspensão temporárias”.
Numa entrevista à Rádio Renascença, José Queirós Alves, arcebispo do Huambo, foi mais longe e disse que está também previsto suspender os envolvidos de “participar na comunhão”.
É conhecida a posição da hierarquia católica, que há muito chama a atenção para a incompatibilidade entre cristianismo e práticas de feitiçaria. A novidade é que às palavras se somam agora “sanções correctivas”, como lhes chamou José Manuel Imbamda, em declarações divulgadas pela estação católica angolana Rádio Ecclesia.
O problema vem de longe – e existe em diferentes países africanos – mas “ganhou proporções tão graves que perturba a vida dos cristãos, destrói os laços familiares e afecta as relações entre as pessoas”. Vai ao ponto de “perturbar a ordem pública, devido à prática de justiça privada”, diz a nota dos bispos.
O porta-voz da Conferência Episcopal anunciou disponibilidade da Igreja para trabalhar com entidades como as governamentais e estudiosos para ajudar a compreender que “a crença na feitiçaria é um atraso, é uma paralisia social”. “Ficamos todos emaranhados nesta teia de crendices que não nos ajudam a evoluir”, considerou.
Crença aliada à pobreza
As represálias contra pessoas acusadas de feitiçaria também são comuns. Em 2010, os bispos pediram protecção especial para o número crescente de crianças que sofrem abusos e são abandonadas – já houve casos de morte – por familiares e pessoas próximas que vêem nelas o motivo dos seus infortúnios.
Na altura, o bispo de Mbanza Congo, Serafim Xingo ya Hombo, referiu-se à feitiçaria como terrorismo cultural, em que a crença aliada à pobreza leva pessoas a cometerem actos desumanos contra idosos e menores, principalmente no Leste e Norte do país.
“A doença é sempre justificação para a ida ao feiticeiro e a ignorância leva as pessoas a acatarem conselhos absurdos que atentam contra os direitos humanos, daí a necessidade de garantir mais acesso aos hospitais e às escolas em todos os pontos do país”, disse Xingo ya Hombo, citado pela agência noticiosa Angop.
Quando visitou Angola, em 2009, o Papa Bento XVI pediu que fossem combatidas a bruxaria e os rituais com sacrifícios humanos. “Chegam a condenar crianças de rua e até idosos, porque, dizem, são bruxos”, afirmou, numa homilia, citado pela AFP.
No ano passado, o chefe da Igreja voltou ao assunto. “Aflitos com os problemas da vida, não hesitamos em recorrer a práticas que são incompatíveis com os caminhos de Cristo. Os abomináveis efeitos são a marginalização e mesmo a morte de crianças e de idosos condenados pelas falsas percepções da feitiçaria”, disse aos bispos do país, no Vaticano.
Estatísticas oficiais divulgadas quando o Papa visitou o país indicavam que 55% da população angolana é católica e que 25% acreditava em religiões tradicionais.