Ao discutir pena de morte, Hungria pode "comprar uma guerra" com a UE
Primeiro-ministro está pressionado pela extrema-direita, mas as suas declarações foram condenadas até pelo parceiro de coligação: "Um político cristão não apoia a pena capital." Comissão Europeia aconselha Orbán a não "comprar uma guerra".
"A questão da pena de morte deve ser posta na agenda na Hungria. A Hungria fará tudo para proteger os seus cidadãos", declarou o primeiro-ministro e líder do partido conservador e populista Fidesz, na quarta-feira, durante uma visita à cidade de Pécs, no Sul do país.
O primeiro-ministro voltou a pegar nesta bandeira do partido nacionalista Jobbik em resposta a perguntas sobre o homicídio de uma funcionária de uma tabacaria ocorrido na semana passada, em Kaposvár. A morte da jovem, de 21 anos, foi o mais grave dos episódios de violência registados nas chamadas "tabacarias nacionais", os únicos estabelecimentos autorizados a vender tabaco no país desde 2013 – a lei exige que estas tabacarias tenham as janelas tapadas, para que os menores de 18 anos não consigam espreitar para o seu interior, o que tem também contribuído para o aumento do número de assaltos.
O líder parlamentar do Fidesz, Antal Rogán, sublinhou as palavras do seu primeiro-ministro e disse: "Se o povo de um país da União Europeia defende a aprovação da pena de morte, então esse debate pode ser feito ao nível da União Europeia." Rogán deu como exemplo o homicídio ocorrido na semana passada – de acordo com o líder parlamentar do maior partido da coligação que governa a Hungria, casos como o da morte da jovem "fazem com que uma pessoa pense automaticamente que a pena de morte deve ser aplicada".
Valor central da União Europeia
A pena de morte foi abolida na Hungria em Outubro de 1990, e em Dezembro do mesmo ano o país ratificou o Protocolo 6 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que proíbe a aplicação da pena capital em tempos de paz – mais tarde, em 2003, a Hungria ratificou também o Protocolo 13, que proíbe a pena de morte em quaisquer circunstâncias.
A abolição da pena capital é um valor central na Europa, e nenhum país pode integrar a União Europeia se essa punição estiver contemplada na sua lei. Em todo o continente, a Bielorrúsia e o Cazaquistão (este localizado maioritariamente na Ásia Central, mas com uma parcela de território na Europa do Leste de acordo com algumas interpretações) são os dois únicos países que ainda aplicam a pena de morte – o primeiro em quaisquer circunstâncias, e o segundo apenas em "circunstâncias especiais", como crimes de guerra.
Para além do debate sobre a pena de morte, o Governo húngaro pretende fazer uma consulta pública, na forma de questionários, sobre a possibilidade da aprovação de novas medidas contra a imigração.
O questionário é composto por 12 perguntas, entre as quais "Apoiaria uma decisão do Governo para colocar imigrantes ilegais em campos de internamento?"; "Concorda que o Governo deve ajudar as famílias húngaras e as crianças que estão por nascer, em vez de destinar fundos para a imigração?"; "Concorda que os imigrantes por motivos económicos põem em perigo os empregos e o sustento do povo húngaro?"; e "Concorda que políticas de imigração erradas contribuem para a propagação do terrorismo?"
Comissão Europeia pressiona Orbán
As recentes declarações do primeiro-ministro da Hungria foram prontamente criticadas pela oposição de esquerda, mas também pelo seu próprio parceiro de coligação e pelo grupo de que o Fidesz faz parte no Parlamento Europeu, o Partido Popular Europeu (a família de centro-direita que inclui, entre outros, a CDU alemã, de Angela Merkel, e o PSD e o CDS-PP).
Mas as palavras mais duras foram proferidas pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, depois de recordar que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proíbe a pena de morte: "O sr. Orbán tem de deixar imediatamente claro que essa não é a sua intenção. Se a sua intenção fosse essa, estaria a comprar uma guerra."
No ponto 2 do Artigo 2.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia lê-se que "ninguém pode ser condenado à pena de morte, nem executado".
Oposição na Hungria
O parceiro de coligação do Fidesz, o KDNP, também se distanciou das declarações do primeiro-ministro de forma clara. "Um político cristão não apoia a pena capital", disse Bence Rétvári ao jornal Heti Válasz.
O partido centrista Juntos 2014, da oposição, acusou o primeiro-ministro de estar a assumir uma postura "mais Jobbik do que o Jobbik", ao "tentar obter um ganho político mesquinho", numa referência à subida nas sondagens do partido de extrema-direita.
O líder do Jobbik, Gábor Vona, disse ao canal público M1 que o primeiro-ministro está a aproveitar-se das ideias do seu partido e voltou a defender a aplicação da pena de morte na Hungria: "É preciso decidir o que é mais importante, se um par de acordos internacionais, se a vida do povo húngaro."
Pena de morte "não é negociável"
Através da conta oficial no Twitter, o Partido Popular Europeu anunciou que o seu presidente, Joseph Daul, "vai pedir para falar com Viktor Orbán para clarificar as suas declarações sobre a pena de morte". "A pena de morte é contrária aos valores do Partido Popular Europeu e aos tratados da União Europeia. Isso não é negociável", afirmou o grupo que reúne partidos europeus de centro-direita.
O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, fez saber que já iniciou um diálogo com o primeiro-ministro da Hungria, e Orbán respondeu publicamente com o reforço das suas declarações, através do gabinete de imprensa. "Viktor Orbán defende que a questão da pena de morte deve ser mantida na agenda. Como é natural, o diálogo sobre a matéria deve também ser mantido a nível europeu, e o primeiro-ministro tem todo o gosto em estar à disposição do presidente Schulz", disse à agência húngara MTI o responsável pela comunicação de Orbán, Bertalan Havasi.
Também o comissário europeu para os Direitos Humanos no Conselho da Europa, Nils Muiznieks, criticou com firmeza as declarações do primeiro-ministro húngaro: "A ideia de reintroduzir a pena de morte, que tem sido levantada pelo primeiro-ministro Orbán, é incompatível com as obrigações da Hungria ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e é contrária aos valores que a Europa representa." O mesmo responsável comentou também o questionário sobre a imigração, classificando-o como "inaceitável", e pediu ao Governo húngaro que "adopte uma abordagem mais orientada para os direitos humanos em relação às questões da imigração".