Google, Facebook e Apple contra armazenamento de dados no Brasil
Brasil quer obrigar empresas a manter servidores no país. Grupo de 45 organizações internacionais alerta que nova lei pode ser pior para a privacidade e para a competitividade do mercado brasileiro.
A proposta, que será votada na Câmara de Deputados até ao fim de Outubro, obriga as empresas que tenham representações no Brasil a instalarem centros de dados no país, para que as autoridades possam ter maior controlo sobre os pedidos de vigilância que envolvam os seus cidadãos – tanto no sentido de limitar a espionagem como no sentido de facilitar o acesso aos dados requisitados pelas autoridades brasileiras.
A intenção do Governo do Brasil foi explicada em Agosto pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, em declarações ao jornal espanhol El País: "Os dados têm de ser armazenados no nosso país. Achamos que, quando a nossa Justiça quiser ter acesso [a esses dados], eles devem estar sujeitos à legislação do nosso país. Já houve um caso em que a Justiça federal determinou que a Google devia facilitar o acesso ao email de uma pessoa acusada de tráfico e branqueamento de capitais e a empresa negou-se. Isso deixa-nos vulneráveis", disse o ministro.
A proposta de lei determina que "o armazenamento de dados de personalidades físicas ou jurídicas brasileiras por parte de fornecedores de aplicações de Internet que exerçam essa actividade de forma organizada, profissional e com finalidades económicas no país deve ser feito em território nacional".
Numa carta enviada ao relator do projecto de lei, o deputado Alessandro Molon, do Partido dos Trabalhadores, organizações como a Informational Technology Industry Council (que representa empresas como a Apple, a Google, o Facebook ou a Amazon) consideram que esta exigência será prejudicial para ambas as partes – as empresas terão mais gastos e o mercado brasileiro de tecnologia perderá competitividade, sem que a privacidade dos dados dos utilizadores seja reforçada.
"A segurança de dados não está relacionada com o local de armazenagem dos dados, mas sim com a forma como são mantidos e protegidos. O foco na localização dos dados desconsideraria essa realidade e levaria a uma insegurança potencialmente maior dos dados no Brasil", argumentam os signatários da carta.
Também os utilizadores seriam penalizados, de acordo com as empresas, porque iriam pagar mais pelos serviços. "Esses requisitos fariam com que o Brasil limitasse sua capacidade computacional geral e deixasse de usufruir das economias de escala, acarretando, assim, um aumento nos custos dos serviços para os usuários finais, que passariam a arcar com um custo maior decorrente da infra-estrutura adicional", lê-se na carta.
As organizações – entre as quais figura a Câmara de Comércio dos EUA, mas também a Associação Francesa de Serviços de Comunidade na Internet ou a Associação Europeia dos Media Digitais – dizem entender as preocupações com a privacidade na Internet, mas defendem que a obrigação de manter servidores no Brasil não irá alterar em nada a situação actual.
"Nós compartilhamos do compromisso do Brasil em promover a segurança e a privacidade de dados. As nossas empresas também têm este comprometimento com a segurança e a protecção das informações de todos os nossos clientes – incluindo os cidadãos brasileiros. Entendemos que é preciso, no entanto, atentar para a abordagem corrente a respeito do assunto, a fim de evitar que tenha repercussões colaterais na economia, nos negócios e nos consumidores brasileiros", defendem.
Estes argumentos são também usados por um dos mentores do projecto Marco Civil da Internet (uma iniciativa que tem como objectivo regulamentar o uso da Internet no Brasil), Ronaldo Lemos. "Os dados podem estar em qualquer lugar do mundo. O que nós precisamos é de ter acordos bilaterais que permitam o acesso [a esses dados]", disse o também professor da Fundação Getúlio Vargas.
Ronaldo Lemos alerta para o risco de os deputados aprovarem uma lei que obrigue as empresas a instalarem servidores no Brasil antes da entrada em vigor da lei mais abrangente que tem como objectivo regulamentar o uso da Internet no país. "Sem a aprovação do Marco Civil [da Internet], há uma grande incerteza sobre quem é responsável por esses dados. Não temos uma lei sobre a privacidade. Na prática, temos juízes que dizem que podemos pedir dados com uma ordem judicial, mas outros defendem que não, que é a própria polícia que tem autoridade para fazer esses pedidos", salienta o académico brasileiro.
O Brasil é um dos países que estão no centro do escândalo de espionagem da Agência de Segurança Nacional norte-americana. Segundo os documentos obtidos pelo antigo analista informático Edward Snowden, as comunicações de milhões de cidadãos brasileiros e da própria Presidente, Dilma Rousseff, foram interceptadas e registadas pela agência norte-americana.