Google esconde artigos de media britânicos, em nome do "direito ao esquecimento"

Notícias sobre árbitro caído em desgraça, um director da Merril Lynch e notícias de escândalos foram escondidas em cumprimento da decisão do Tribunal Europeu de Justiça.

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Estas restrições dizem respeito apenas às versões europeias do motor de busca Google JOEL SAGET/AFP

Um post no blogue do editor de Economista da BBC, Robert Preston, sobre Stan O’Neal, ex-director do banco de investimento Merril Lynch, publicado em 2007, foi um desses links. O artigo não desapareceu da Internet, ou do site da BBC. Simplesmente quem fizer uma pesquisa por Stan O’Neal através do Google – usando uma das versões europeias do motor de pesquisa – deixará de o encontrar. Se usar a versão americana, não terá qualquer problema, encontra o artigo na mesma.

O jornal The Guardian recebeu também um aviso automático do Google, informando o jornal de que seis dos seus artigos deixariam de aparecer nas buscas feitas na Europa usando o Google. Três deles dizem respeito a um árbitro da Primeira Liga Escocesa, Dougie McDonald, que caiu em desgraça em 2010, quando se soube que tinha mentido sobre os motivos que o levaram a marcar uma grande penalidade num jogo do Celtic contra o Dundee United. Foi em consequência deste escândalo que se retirou da arbitragem.

Os avisos enviados pelo Google aos jornais e à BBC não explicam quais as razões que levam a empresa a aplicar o estabelecido pelo Tribunal Europeu de Justiça, a 13 de Maio, ao abrigo da legislação europeia de protecção de dados – uma decisão que o Google contestou.

Em resposta a um pedido de esclarecimento da Audiência Nacional de Espanha, o tribunal europeu deliberou que o cidadão espanhol Mario Costeja González tem direito a exigir que a Google deixe de mostrar nos resultados das pesquisas uma nota oficial sobre uma penhora publicada no jornal La Vanguardia em 1998.

González argumentou que tem direito a que esse caso seja apagado da Internet porque já não tem qualquer dívida, e não quer que a sua imagem continue a ser prejudicada mais de uma década depois. Na impossibilidade de se ter a certeza de que algo é definitivamente apagado da Internet, o espanhol viu ser-lhe reconhecido, pelo menos, o direito a que a Google deixe de mostrar o link para a página do jornal sempre que alguém fizer uma pesquisa pelo seu nome.

O fundador e presidente executivo da Google, Larry Page, lamentou que a empresa não tenha sido "mais envolvida num verdadeiro debate na Europa". mas salientou que será feito um esforço para tentar conciliar as diferenças culturais entre europeus e norte-americanos em relação à abordagem das questões de privacidade: "Estamos a tentar ser mais europeus e a pensar nisto a partir de um contexto europeu."

A empresa californiana diz que não acederá automaticamente a todos os pedidos, que no total dizem respeito a 267.550 links, nas solicitações apresentadas entre 30 de Maio e 30 de Junho. “Cada pedido será tratado individualmente, e serão tomadas decisões em função da pertinência de cada um”, diz a Google. O país com mais pedidos é França (47.927), seguido da Alemanha (47.014), Reino Unido (34.597), Espanha (21.564) e Itália (23.321). De Portugal, a Google recebeu 683 pedidos de eliminação de dados, adianta a agência Lusa, citando a empresa.

Mas agora que a deliberação do “direito ao esquecimento” começou a ser aplicada – tendo como alvo principal os media – levantou-se uma onda de críticas, que são especialmente fortes no mundo anglo-saxónico.

No tablóide Daily Mail, onde também foram recebidas notificações sobre a retirada das versões europeias do Google de notícias sobre o árbitro escocês que mentiu, artigos sobre um casal que teve relações sexuais num comboio, e sobre um muçulmano que se queixava que não ter sido contratado pela companhia aérea Cathay Pacific por causa do seu nome, a ideia que ficou é que a decisão do Tribunal Europeu de Justiça está a ser usada para esconder notícias que não são convenientes para alguém.


“Estes exemplos ilustram que o direito ao esquecimento não faz sentido. É como entrar numa biblioteca e queimar os livros de que não se gosta”, disse Martin Clarke, director do Mail Online”, citado pela AFP.  

“Pode haver motivos para defender que certos artigos devem desaparecer dos arquivos. Por exemplo, alguém que cometeu um crime menor aos 18 anos, mas que há muito que se emendou. Se aos 30 anos o seu passado, registado na Internet, ainda os impede de conseguir um emprego, não poderá isso ser um motivo para esquecer o seu registo? Talvez – é uma matéria para debater. Mas estas decisões editoriais pertencem às publicações e não à Google”, defende James Ball, editor de projectos especiais do Guardian.

A Google, nota Ball, está a cumprir à letra a decisão do Tribunal Europeu de Justiça: bloqueia apenas as páginas cuja remoção foi pedida e só quando se faz uma pesquisa por um nome específico. “Ainda se consegue encontrar uma página desaparecida sobre Dougie McDonald se procurar ‘árbitro escocês que mentiu’; só não aparece se procurar pelo nome”, explica.

Isto mostra que a Google está a colaborar de forma relutante, seja por motivos comerciais, seja por defender a liberdade de expressão. Mas há sempre uma possibilidade em aberto para os utilizadores: utilizar outro motor de pesquisa. 

A abertura da concorrência, diga-se, não seria desagradável para a Comissão Europeia. Ainda na semana passada, o ministro alemão da Justiça, Heiko Maas, afirmou em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung que gostaria de poder desmantelar a Google, que hoje tem uma posição dominante no mercado.

“Imagine que um grupo energético tinha 95% do mercado, as autoridades da concorrência estariam rapidamente em cima dele. Portanto, se a Google abusa da sua posição dominante para afastar de forma sistemática os seus concorrentes, devia-se pensar num desmantelamento”, afirmou Maas, repetindo uma ideia já apresentada pelo seu colega da Economia, o também social-democrata Sigmar Gabriel.

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