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Franceses choram os mortos e erguem cartazes contra o ódio

Num dia de luto nacional, uma multidão voltou a juntar-se em homenagem aos mortos do ataque ao jornal Charlie Hebdo. Mas entre gritos de união, uma bandeira síria pode incomodar.

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Um homem segura um lápis gigante durante uma manifestação em Tarbes, no Sul de França AFP/LAURENT DARD
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Em França e um pouco por todo o mundo, sucedem-se as manifestações em defesa da liberdade de expressão AFP/OZAN KOSE
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Velas, canetas e flores na vigília na Praça da República, em Paris AFP/ BERTRAND GUAY
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Amandine Marbach, de Estrasburgo, com a inscrição “Je suis Charlie” REUTERS/Carlo Allegri
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Na região de Villers-Cotterets, a nordeste de Paris, continuam as operações de caça ao homem REUTERS/Christian Hartmann
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Vigília junto ao antigo porto de Marselha, no Sul do país AFP/ANNE-CHRISTINE POUJOULAT

A jovem parisiense está aqui porque os 12 mortos do ataque de quarta-feira contra a redacção do Charlie Hebdo eram “vizinhos”, gente “que via todos os dias”, porque nunca pensou que algo assim pudesse acontecer no seu bairro. Mas não só por isso: “É preciso chorar os mortos e combater este ódio que começa a crescer entre os franceses. Eu tenho amigos muçulmanos, eu sei que isto não tem nada a ver com religião, nem com a deles nem com nenhuma. Isto é a Allahshnikov, como dizemos. E o que aconteceu aqui, jornalistas executados, acontece todos os dias em países muçulmanos.”

“Eu ainda nem consigo acreditar”, diz Lucille, de 26 anos, uma das amigas de Wendy, a quarta, que escolheu fazer um cartaz especial. “Vamos punir os culpados. A punição será mais generosidade, mais tolerância, mais democracia.” Foi o que disse o presidente da câmara de Oslo, Fabian Stang, em 2012, depois de Anders Breivik, que temia a “colonização” da Noruega por muçulmanos, ter assassinado 77 pessoas, na sua maioria jovens. “Gosto muito desta ideia. Acho que é por isso que estamos todos aqui.”

A praça onde na véspera estiveram 35 mil pessoas está transformada numa espécie de santuário. Entre o mar de gente que rodeia a estátua da República há pequenos espaços vazios, círculos onde as pessoas continuam a deixar velas, mensagens, flores, cartoons, palavras soltas. “Joelhos”, lê-se num papel, um tributo simples a Charb, cartoonista e director do jornal satírico, que em 2012, a seguir ao atentado que visou o semanário depois de uma edição em que Maomé foi o “director convidado”, afirmou preferir “morrer de pé do que viver de joelhos”.

A própria estátua está coberta de cartazes: “Mortos por serem mais corajosos do que nós”, lê-se num. “Continuaremos a rir, dos idiotas, das religiões, dos caricaturistas”, alguém escreveu noutro. E à medida que a praça se vai enchendo a estátua é tomada por dezenas de pessoas, jovens, algumas crianças, franceses brancos, negros, de origem árabe. Uma miúda sobe o mais alto que pode com uma bandeira francesa na mão. Não há organizadores e eles decidiram subir, dar as mãos, gritar palavras de ordem que às vezes soam quase como um rap. Intercalam frases como “Charlie não está morto”, “Liberdade de expressão”, “Abaixo as armas, os lápis”, “Unidade, liberdade” ou “Não à amálgama” com a Marselhesa, o hino francês.

Patricia Goaunt, de 51 anos, prefere gritar “Não à amálgama” do que cantar a Marselhesa. “Da música gosto, mas preferia que a entoássemos sem palavras ou que inventássemos novas”, diz, recusando bradar “às armas”. “Cuidado com as palavras. Podem servir a Marine Le Pen”, grita. É por causa da líder da extrema-direita francesa e do seu discurso islamófobo que aqui se diz “Não à amálgama”, não à confusão entre o crime que a todos chocou e os milhões de franceses muçulmanos.

Canetas e bandeiras
A professora está com uma colega, Anna, de origem haitiana. Vieram de um subúrbio, do bairro XIII, e prometem voltar no domingo, dia em que está prevista uma grande marcha. “Iremos com muita gente, estamos a mobilizar cristãos, católicos, franceses.” Como outros, grupos de amigos, pais e filhos, Patrica e Anna trouxeram canetas em vez de cartazes.

Ahmed Zenou trouxe uma bandeira síria onde escreveu “Nós com Charlie”. Pareceu-lhe fazer sentido. “É uma recordação da nossa revolução, que fizemos em nome da liberdade. Quero dizer que a revolução síria está com os franceses”, explica o jovem de 29 anos, com a ajuda de Majed, uma amiga nascida em Damasco, como ele, mas que aqui vive há cinco anos e domina a língua. “Ele veio há dois anos, fugiu depois de ter estado preso por se manifestar.”

Marianne, uma empregada de limpeza de 56 anos, aproxima-se dos jovens para lhes agradecer a bandeira. “Por mim, devia haver bandeiras de todas as partes”. Nem todos concordam. Uma senhora que não quis dizer como se chama interpela Ahmed: “Não há quase bandeiras aqui. E se houvesse deviam ser francesas”, diz. “Isto é um país de luto, entendem? Nós respeitamos a bandeira palestiniana, como estimamos a israelita”. Ahmed começa por nem perceber, depois pede desculpa e explica que é sírio, como a sua bandeira. “Não acho bem, percebam, não faz sentido.”

Marianne ainda tenta entrar em diálogo, mas a senhora descontente afasta-se. Ahmed parece melindrado e enrola a bandeira. “Não ligues, ergue-a, vá”, diz-lhe Marianne. “É só agora, enquanto cantam o hino, por respeito”, responde o jovem, antes de voltar a agitar a bandeira da sua revolução.

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