Farah Diba Pahlavi: Os EUA retiveram o Xá nos Açores para o entregar a Khomeini
Para perceber o que se passou na base das Lajes — e que poderia ter mudado o curso da História —, é preciso recuar no tempo. Farah Diba e o seu marido, o Xá Mohammad Reza Pahlavi, tinham sido forçados a abandonar o Panamá e deveriam seguir para o Cairo, onde o Presidente Anwar Sadat lhes renovara a oferta de refúgio. Andavam em fuga há mais de um ano. Várias portas se haviam fechado depois de a monarquia ter sido derrubada pelo Ayatollah Khomeini.
O Egipto tinha sido a primeira paragem do exílio, em 16 de Janeiro de 1979, quando o casal imperial chegou a Assuão. No dia 22, Farah Diba e o “rei dos reis”, agonizante com um linfoma terminal — “segredo bem guardado desde 1974” —, já estavam a caminho de Marrocos, a convite do rei Hassan II. Foi numa luxuosa villa em Marraquexe, a 11 de Fevereiro, que a Rádio de Teerão deu a notícia mais temida pelo Xá: “A revolução venceu, o bastião da ditadura capitulou.”
Nas suas Memórias (Bertrand), a Xabanu (imperatriz) confessa: “Durante alguns segundos, pensei que tínhamos ganho. Para mim, nós éramos os bons e eles, seguramente, o bastião do horror. Infelizmente, eram eles que ganhavam, acabavam de derrubar o último governo [de Chapour Bakhtiar] nomeado pelo meu marido.” O Xá, que recusara os pedidos de oficiais do seu séquito para abater o avião que transportou Khomeini de Paris para a futura República Islâmica, “fechou-se num longo silêncio”.
A permanência em Marrocos, onde se juntaram os filhos que estavam na América, ficou ameaçada quando as massas iranianas começaram a exigir o regresso do imperador, para o julgar e, talvez, executar sumariamente, como aconteceu a centenas de oficiais do regime deposto. A 14 de Fevereiro, a Embaixada dos Estados Unidos em Teerão foi, temporariamente, ocupada por Guardas da Revolução. Ao palácio de Hassan, em Rabat, chegou um emissário dos serviços secretos franceses para o avisar de que Khomeini ordenara o rapto de membros da sua família para os trocar pelos seus hóspedes.
Ainda que o anfitrião se mostrasse solidário, Farah Diba entendeu a gravidade da situação. “Era urgente encontrar outro asilo”, afirma na autobiografia, mas “todos viraram as costas”. A França recusou, alegando que não podia garantir a segurança dos imperadores caídos em desgraça. O mesmo aconteceu com a Suíça e o Mónaco. O México e o Canadá não responderam. “Talvez mais tarde”, foi a resposta dos EUA. Margaret Thatcher, que prometera ajudar se ganhasse as eleições, mudou de ideias quando se tornou primeira-ministra, porque “seria nocivo para os interesses da Grã-Bretanha”.
Das Baamas ao MéxicoHassan II colocou à disposição dos Pahlavi o seu avião particular, e foi neste que o Xá, a Xabanu e os filhos (Reza, Fahranaz, Ali-Reza, Leila) — e também uma pediatra, uma governante, vários coronéis e o “criado de quarto” do imperador — partiram a 30 de Março de 1979, para Nassau, capital das Baamas. O arquipélago não tinha relações diplomáticas com o Irão, mas a oferta de asilo, conseguida graças a Henry Kissinger, David Rockefeller e Jimmy Carter, tinha um prazo: três meses.
Três semanas antes de os vistos expirarem, as autoridades das Baamas informaram que não os renovariam. Mais uma vez a pedido de Kissinger, o México de José Lopez Portillo aceitou receber a família indesejada. Em 10 de Junho de 1979, Farah Diba, Mohammad Reza e acompanhantes instalaram-se em Cuernavaca, no Sul, numa casa com jardim tropical e escorpiões nas paredes. Era o quarto exílio em menos de seis meses.
A saúde do imperador foi-se deteriorando e, como o México não oferecia condições em hematologia e oncologia modernas, os médicos que o seguiam determinaram que ele deveria ser hospitalizado no EUA. A Xabanu ficou desgostosa: “Havia algo de vexante no facto de sermos admitidos nos Estados Unidos depois de eles nos terem recusado hospitalidade.” Também receava manifestações de hostilidade, mas os familiares de Mohammad Reza, em particular a sua irmã gémea, Ashraf, impuseram a decisão de ele se mudar para Nova Iorque, onde ela residia. Chegaram a 23 de Outubro de 1979.
Antes do desembarque, no dia 19, o Presidente Carter reunira na Casa Branca o seu gabinete restrito: Walter Mondale, Cyrus Vance, Zbigniew Brzezinski, Harold Brown e Hamilton Jordan. A recomendação foi unânime: deixar o Xá entrar porque se tratava de “um caso de urgência médica”. Carter convenceu-se, mas deixou uma pergunta: “O que me aconselham quando eles [iranianos] ocuparem a nossa embaixada e fizerem reféns os nossos funcionários?”
O temor, ou presságio, tinha justificação. A 4 de Novembro de 1979, estudantes islâmicos tomaram de assalto o que chamavam de “ninho de espiões” dos EUA em Teerão e sequestraram 60 diplomatas durante 144 dias. A República Islâmica recusou acreditar que o Xá estivesse realmente doente. Suspeitava que Washington se preparava para o fazer regressar ao poder, como fizera em 1953 quando a CIA derrubou o governo de Mohammed Mossadegh e recolocou Mohammad Reza no Trono do Pavão.
A queda de Mossadegh, por ter ousado nacionalizar a Anglo-Iranian Oil Company, o que muito irritou Churchill, e porque americanos e ingleses temiam que ele se aliasse à URSS, abriu caminho à ascensão de Khomeini, concordam hoje muitos analistas, incluindo a própria CIA.
De Nova Iorque ao PanamáLogo no dia seguinte à chegada a Nova Iorque, 24 de Outubro de 1979, Mohammad Reza Pahlavi foi submetido a uma intervenção cirúrgica que não terá sido bem efectuada. A notícia do seu internamento rapidamente se espalhou. Da janela do hospital onde lutava pela vida, ele podia ouvir os gritos de manifestantes: “Morte ao Xá!” A 20 de Novembro, depois da libertação de alguns reféns (só os negros) da Embaixada dos EUA em Teerão, Carter ameaçou intervir militarmente. A 28, assegurou que não cederia à chantagem dos que lhe exigiam a extradição do imperador. Ele deixaria os EUA só quando estivesse recuperado.
Quando os médicos acharam que o paciente poderia deixar o hospital, a viagem de regresso a Cuernavaca foi marcada para 2 de Dezembro. A 30 de Novembro, porém, o Presidente Portillo recusou o asilo. Segundo Farah Diba, o preço para esta reviravolta teria sido uma promessa de Fidel Castro de que Cuba votaria a favor da entrada do México no Conselho de Segurança da ONU se não acolhesse o Xá.
A Administração Carter não teve outra saída senão enviar discretamente os soberanos persas para a base de Lackland, no Texas. Foi uma estadia temporária que o Departamento de Estado não queria prolongar. Até a África do Sul, onde vigorava o apartheid, se mostrou indisponível para receber o casal. “Sentíamo-nos párias”, queixou-se Farah Diba.
A 12 de Dezembro de 1979, o general Omar Torrijos, “supremo comandante do governo”, aceitou receber os Pahlavi no Panamá. Alojou-os numa villa de quatro quartos na ilha de Contadora. Três meses depois, Torrijos terá sido persuadido por Sadegh Ghotbzadeh, “que conspirava para ser Presidente” iraniano, de que a detenção domiciliária do imperador bastaria para os estudantes em Teerão libertarem os reféns norte-americanos.
A par da situação, a imperatriz ganhou coragem e telefonou a Jehane, mulher de Anwar Sadat, pedindo ajuda. “Venham”, disse a amiga. “Estamos à vossa espera no Egipto.”
Carter ficou preocupado quando soube, e tentou demover Farah Diba: “A vossa presença no Cairo arrisca-se a complicar ainda mais a já débil posição do Presidente Sadat e prejudicar os esforços de paz [com Israel] no Médio Oriente.” A 22 de Março, Carter telefonou a Sadat para o persuadir a não receber os Pahlavi. O egípcio terá reagido indignado: “Jimmy, I want the Shah here and alive!”
Dos Açores ao CairoO Xá e a Xabanu partiram para o Cairo, às 14h00 locais, no domingo 23 de Março. À noite, o DC9 das Evergreen Air Lines, usado para voos fretados, fez escala nas Lajes, nos Açores, para reabastecimento. Ao fim de uma hora de espera, Farah Diba começou a temer o pior: “Não seria uma tentativa de nos impedir de chegar ao Egipto? Estávamos numa base americana, num avião americano, portanto, tudo era possível.” Inquiridos os responsáveis, a explicação foi a de que o aparelho “precisava de autorização para sobrevoar determinados territórios”.
“Pedi que me deixassem usar um telefone para contactar um amigo em Paris”, recorda Farah Diba na entrevista à Pública. “Informei-o da nossa situação: que Sua Majestade sofria de febre alta, que estava muito frio no avião e que ele notificasse toda a gente se não mais o contactasse. Muitos anos depois, terá sido na década de 1990, encontrei um ministro português dos Negócios Estrangeiros, o senhor André Gonçalves Pereira. Disse-me que a Embaixada dos EUA [em Lisboa] havia sido questionada sobre a nossa retenção na pista, durante mais de quatro horas, e que a resposta foi ‘não podemos dizer-vos’ [mais adiante o ex-ministro dará a sua diferente versão]. No dia seguinte [a 24 de Março de 1980], o embaixador português em Washington fez a mesma pergunta ao Departamento de Estado e, mais uma vez, a resposta foi ‘não podemos dar-lhe nenhuma justificação’.”
Posteriormente, Farah Diba encontrou a explicação para a interminável escala. Quando estava prestes a depositar um pedido de extradição, um dos advogados enviados por Teerão ao Panamá pediu aos EUA que interceptassem o avião em que seguia o casal imperial, porque Saedegh Ghotbzadeh se declarara convicto de conseguir a libertação dos reféns americanos assim que fosse anunciada a detenção do monarca.
A decisão de bloquear o avião nas Lajes terá sido de Hamilton Jordan, chefe de gabinete da Casa Branca e confidente de Carter, embora este não tenha sido avisado. Como não chegava de Teerão qualquer notícia encorajadora, o aparelho foi autorizado a descolar, após quatro horas imobilizado. A 24 de Março, quando o pedido de extradição foi entregue, os Pahlavi chegavam ao Cairo.
Torrijos “não teria hesitado em colocar o Xá em residência vigiada”, convenceu-se Farah Diba. Mas chegaria isso para aplacar a ira dos iranianos? Seja como for, Mohammad Reza Pahlavi não viveria muito mais tempo para restaurar o seu reino. Morreu a 27 de Julho. Sadat, que o instalara no palácio Kubbeh, ofereceu-lhe um imponente funeral de Estado. O corpo jaz na Mesquita de El Rifai, onde Farah Diba vai todos os anos prestar homenagem.
Encontro no Algarve“Sim fui eu”, confirma André Gonçalves Pereira à Pública. “Fiquei curioso com o que se passara em 1980 e, no ano seguinte, já ministro, procurei averiguar o que se tinha passado nas Lajes. O avião chegou à meia-noite e partiu às oito da manhã. Tenho a certeza de que não foram apenas quatro horas [como disse Farah Diba]. Era estranho. A paragem só deveria ser de meia hora. A tripulação do aparelho alegara falha técnica.” No entanto, confrontadas com um pedido oficial de esclarecimento, responsáveis americanos apenas retorquiram que “não sabiam”. Não podiam, acrescenta Gonçalves Perreira, ter respondido a um Estado soberano “não podemos dizer-vos”, como alega a imperatriz na entrevista.
O ex-chefe da diplomacia foi remexer nos diários onde vai “anotando umas coisas”, e lá estava registado o momento em que deu conta à Xabanu do seu interesse pelo episódio nos Açores. “Ela veio jantar a minha casa no Algarve, em Julho de 1996, e foi então que conversámos sobre este assunto.” A informação que ele tinha era a de que os americanos estavam a negociar com os iranianos, através da Argélia, a entrega do Xá aos mullahs, em troca da libertação dos seus reféns em Teerão. Supostamente, a exigência da República Islâmica era a de que o avião que transportava o soberano deveria deixá-lo na capital iraniana. Os EUA só aceitavam depositá-lo em Argel. E as negociações falharam.”
A versão que Farah Diba relata em Memórias identifica o Panamá e não a Argélia. O antigo ministro salienta: “Nestas coisas de diplomacia ultra-secreta nunca podemos ter certezas”, excepto a de que “não houve razões técnicas mas razões políticas” para o avião ficar retido, e a de que Washington “estava mesmo a negociar a extradição do Xá”.
“Farah Diba escreveu-me depois uma carta a agradecer. Ela é uma mulher muito inteligente e bem informada. Tem um porte imperial. Ainda mantemos contactos esporádicos. Lembro-me de um jantar em Paris. Pedi ao embaixador português que a convidasse.”
Sobre o que se passou nas Lajes, Gonçalves Pereira destaca “o contraste” no tratamento que o Xá teve por parte dos Estados Unidos e do Egipto. “A Administração Carter, que até era relativamente séria, estava disposta a entregar o Xá, que foi aliado fundamental dos Estados Unidos no Médio Oriente, enquanto o Presidente Sadat, numa atitude quase quixotesca, aceitou recebê-lo, ainda que ameaçadíssimo pelo fundamentalismo islâmico, que no ano seguinte viria a assassiná-lo. Era um homem notável.”
Revisitar TeerãoHoje, quase 30 anos depois de uma viagem que tinha esperança de ser um “momentâneo abandono do país”, Farah Diba mostra-se uma mulher áspera, o que contrasta com o significado em farsi do seu apelido de solteira: “seda”. Continua a defender as acções do Xá e atribui a uma conspiração o derrube do marido que venera como um líder visionário, mas que muitos, incluindo antigos colaboradores, descrevem como fraco e indeciso.
Um deles é o sociólogo iraniano Ehsan Naraghi, que foi crítico (a polícia secreta Savak obrigou-o a deixar o país em 1969) e depois consultor da corte. No livro Des Palais du Chah aux Prisons de la Révolution, Naraghi recorda uma das últimas audiências que teve com Mohammad Reza, a 23 de Setembro de 1978, em que o imperador da dinastia que sucedeu aos Qajar lhe pergunta: “De onde provém esta rebelião? Quem é o instigador? Quem desencadeou este movimento religioso?” A resposta foi: “Mas fostes vós, Majestade.” O rei dos reis retorquiu: “Porquê eu?”
“Há 15 anos, em 1962”, explicou Naraghi, “quando visitastes o santuário de Qom [onde Khomeini era teólogo], atacastes abertamente os chefes religiosos e, no Parlamento, apresentastes as críticas deles à reforma agrária e à igualdade das mulheres como uma posição reaccionária. Fostes tão violento, até mesmo injurioso, que o responsável pela radiotelevisão teve de censurar as vossas palavras. (…) A partir daí, os religiosos foram forçados, para rejeitar a acusação de conservadorismo, a entrar em cena e a provar que não estavam agarrados a uma ordem social arcaica. Apoiando-se nos vastos recursos do xiismo, eles quiseram mostrar que poderiam ser mais revolucionários que Vossa Majestade com a Revolução Branca.”
Farah Diba desvaloriza: “Não posso confirmar se a conversa [de Naraghi] com o defunto Xá ocorreu, porque eu não estava presente. Sobre todas essas obras, vem-me à cabeça um ditado francês: ‘Il faut en prendre et en lasser’. Também se dizia no velho Império Romano que, quando uma guerra é ganha, todos nela participaram, mas quando uma guerra é perdida, só há um culpado”, lamenta. “O Irão ocupa, geoestrategicamente, uma posição muito importante. Estava a tornar-se demasiado poderoso. Alguns interesses estrangeiros sentiram-se ameaçados e começaram uma campanha de difamação contra a monarquia nos media. Também cortejaram a encorajaram a oposição dentro do país.”
“Li uma entrevista de Ibrahim Yazdi [opositor da monarquia e ministro no primeiro ano da revolução islâmica] onde ele fala da sua relação com o Departamento de Estado e de como passou a mensagem de que o Ayatollah Khomeini valorizava os direitos humanos e a liberdade das mulheres. Lord Owen, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros na época [da revolução islâmica], afirmou: ‘Se soubéssemos que o Xá estava doente, nada disto teria acontecido.’ O que quis ele dizer? William H. Sullivan, que foi embaixador dos EUA no Irão, de 1977 a 1979, escreveu sobre os seus encontros e contactos com a oposição iraniana.”
“Não nos podemos esquecer de que estávamos num período da Guerra Fria, e que a União Soviética, com um forte desejo de controlar as águas quentes do Golfo Pérsico, patrocinava o Tudeh, Partido Comunista iraniano. Havia ainda outros grupos organizados, como os Fedayin do Povo (maoístas) e os Mujahedin do Povo (marxistas islâmicos), muitos dos quais foram treinados em campos de guerrilha cubanos e palestinianos. Membros desses grupos, que ajudaram a levar Khomeini ao poder, foram depois mortos aos milhares.”
De nada se arrepende Farah Diba Pahlavi? A resposta é longa: “Se estivéssemos mais bem organizados politicamente; se a abertura política tivesse acontecido antes de 1977; se a Administração americana fosse outra; se fosse outro primeiro-ministro britânico; se fosse outro o Presidente da França; se a União Soviética fosse a Rússia, se Khomeini não tivesse sido autorizado a entrar em Paris [proveniente do Iraque onde o Xá o exilou]; se alguns intelectuais iranianos não tivessem visto o rosto de Khomeini na Lua; se as pessoas tivessem ouvido o Xá quando ele disse que havia remédio para todos os males; se a imprensa ocidental não tivesse maliciosamente atacado o Xá e comparado Khomeini a um salvador espiritual, esta tragédia não teria acontecido.”
Persépolis e ShirazO sociólogo Naraghi diz que tentou várias vezes explicar aos tecnocratas que rodeavam o Xá que “a grande civilização” desejada por este iria conduzir a uma “sublevação caótica”. A política do imperador “dividia a nação, uma minoria modernista, de um lado, e uma maioria tradicionalista, do outro – o que minava os sentimentos de solidariedade nacional e expunha [os iranianos] a um conflito cultural totalmente novo” para eles.
Farah Diba reconhece que alguns responsáveis ocultavam do rei o descontentamento da sociedade, mas nega a divisão. Isso significaria, justifica, “que a maioria dos iranianos está actualmente satisfeita, o que, como todos sabem, não é verdade. Não considero que mentiras, corrupção material e moral, flagelações, apedrejamentos e desmembramento de pessoas sejam atributos dos nossos preciosos valores iranianos. A maioria dos iranianos queria muito o que a ‘vida moderna oferecia, como escolas, universidades, hospitais, estádios, bibliotecas, centros culturais, indústrias, comunicações e participação no desenvolvimento do país”.
A explicação que a Xabanu encontra para a revolta dos iranianos contra o Xá é outra: “No Irão, depois de 1973, o aumento dos preços do petróleo não agradou a interesses estrangeiros. Havia um boom de desenvolvimento e o governo não conseguia corresponder às expectativas populares. Isto criou insatisfação e terreno fértil para a oposição, que estava muito bem organizada, ao contrário de nós. O Ayatollah Khomeini e os seus discípulos prometeram paraíso, transportes, combustíveis e outros bens gratuitos. Muitos acreditaram, mas abriram as portas do inferno. Hoje, muitos lamentam ter participado nas manifestações. Os mais jovens culpam os pais pela actual situação no Irão.”
Para a viúva de Mohammad Reza, a Revolução Branca, a reforma agrária e a emancipação das mulheres não eram questões fracturantes. “A maioria da população apoiava-as”, assevera. “Obviamente, não os proprietários de terras e os fanáticos religiosos. O bom resultado é que o Irão de hoje não tem um sistema feudal, apesar das pressões dos extremistas, e a República Islâmica não conseguiu alterar o direito das mulheres a votar e a serem eleitas.”
Quanto à afirmação de alguns iranianos de que o Xá “errou ao tentar fazer o país passar da era da bicicleta para a do avião a jacto sem experimentar o automóvel”, a imperatriz é peremptória: “Não acredito nisso. Como se pode dizer às pessoas para esperar 20 anos [pelo progresso] quando se tem todos os recursos naturais e riqueza humana disponíveis? Quando viajava pelo país, as pessoas pediam mais e melhores escolas, estradas, clínicas, água, electricidade.”
Mas não é a essa modernidade que muitos se referem, mas sim à ostentação e provocação evidenciadas, por exemplo, no Festival de Artes de Shiraz, projecto pessoal de Farah Diba, inaugurado em 1967, e nas celebrações dos 2500 anos de Persépolis, em 1971. Em Shiraz, o maior escândalo ocorreu em 1978 quando um grupo de dança do Brasil levou ao palco uma peça de carácter sexual explícito. “O programa do Festival de Shiraz consistia em 90 por cento de músicas tradicionais, danças e teatro, e talvez uns 10 por cento de avant-garde, o que não significa que fosse imoral”, disse a Xabanu à Pública.
Em Persépolis, primeira cidade real do império aqueménida, onde subsistem os vestígios do palácio de Dario I, sucessor de Ciro, só os ricos e poderosos foram convidados. O povo foi excluído. As despesas foram avaliadas em 200 a 300 milhões de dólares. Elizabeth Arden criou uma nova linha de cosméticos e chamou-lhe Farah. Lanvin desenhou os uniformes dos empregados. O Maxim’s de Paris forneceu os chefs e o catering. Excepto o caviar iraniano, toda a comida foi encomendada de França. A imperatriz queixou-se do “exagero dos jornalistas”, notou que as infra-estruturas perdurariam e justificou os gastos como “um maravilhoso exercício de relações públicas” que ajudou muita gente a “localizar o Irão no mapa”.
Washington, Nova Iorque e Paris
A única filha do coronel Sohrab Diba e de Farideh Ghotbi, uma plebeia que o Xá escolheu para assegurar a sucessão depois de dois matrimónios falhados, vive actualmente entre Washington, Nova Iorque e Paris. Embora tenha aberto uma janela de oportunidade para Khomeini lançar a sua revolução e tenha fechado a porta de entrada a Mohammad Reza quando ele procurou asilo, a França é ainda um país onde Farah Pahlavi se sente bem.
“Familiarizei-me com a cultura europeia durante os meus estudos [de Arquitectura] numa escola francesa”, diz-nos a imperatriz. “A minha história de vida tem sido seguida por muitos em França e os franceses têm sido muito simpáticos onde quer que eu vá.”
Paris foi também a cidade onde, em 1959, Farah Diba conheceu pessoalmente o seu futuro marido, duas vezes divorciado, em 1946 e em 1958. Primeiro de Fawzia bint Fuad, irmã do rei Farouk do Egipto com quem se casou em 1939, ainda era príncipe herdeiro, e que lhe deu uma filha, Shahnaz. E depois de Soraya Esfandiari-Bakhtiari, a “princesa dos olhos tristes”, que conheceu em 1948 e que desposou em 1951. Ela sofria de infertilidade, mas recusou que o Xá tivesse uma segunda esposa, como permite o islão, e a união foi anulada.
Mohammad Reza tinha 39 anos quando foi apresentado a Farah Diba, de 20, numa recepção na Embaixada do Irão, após um encontro com Charles de Gaulle. A jovem causou boa impressão e foi o bastante para o genro do imperador, Ardeshir Zahedi, marido de Shahnaz, tratar de tudo para ela ser a noiva que o Xá procurava. Uma tentativa de casar o soberano muçulmano com a princesa católica Maria Gabriela de Sabóia foi desaconselhada pelo Vaticano como “uma grave ameaça”.
Farah Diba disse sim ao pedido de matrimónio no dia em que fez 21 anos, a 14 de Outubro. O noivado foi oficialmente anunciado a 21 de Novembro. O casamento, duas cerimónias, celebrou-se a 21 de Dezembro. Yves Saint-Laurent, da casa Dior, desenhou-lhe o vestido bordado com fios de prata. As irmãs Carita inventaram para ela o penteado com o risco ao meio e as têmporas cobertas que se tornaria moda no mundo inteiro. O diadema para a cabeça era jóia do Estado. Concebido nos anos 50 pelo americano Harry Winston, pesava dois quilos.
Morte em LondresComo Xabanu, título que ganhou no dia do casamento e que os mullahs aboliram, Farah Diba Pahlavi teve uma vida de sonho, até ao advento da revolução de Khomeini. Não que ela enfrente problemas financeiros (apesar de ter sofrido um desfalque de vários milhões de dólares). Mas depois da morte do marido teve de enfrentar o suicídio da filha Leila, que chegou a ser modelo de Valentino. Sofrendo de “depressão crónica, baixa auto-estima, anorexia nervosa e bulimia”, ingeriu uma dose fatal de “barbitúricos e cocaína”, segundo a autópsia. Foi encontrada sem vida no seu apartamento em Londres, em Junho de 2001. Tinha 31 anos.
“A perda de um filho é sempre uma ferida aberta no coração de uma mãe”, lastima-se Farah Diba. “Leila era uma menina muito inteligente, com boas ideias, mas profundamente traumatizada pelos dramáticos acontecimentos nas nossas vidas. Era muito sociável e gostava da companhia dos que lhe eram mais próximos. Quando estava deprimida, desabafava: ‘Eu consigo ajudar todos os meus amigos, mas sou incapaz de me ajudar a mim própria.”
Sem Leila, a viúva do Xá continua a dedicar-se à restante família, em particular ao filho mais velho, Reza, que se proclamou imperador após a morte do pai, no Cairo. “Nos últimos 29 anos, o herdeiro da coroa tem estado activamente em contacto com muitos compatriotas de diferentes ideologias, dentro e fora do Irão”, conta Farah Diba. “Ele luta por um regime livre, democrático e secular. E acredita que, uma vez livre, o povo poderá optar pela melhor forma de governo. Tradicionalmente, o rei sempre foi um factor de unificação dos diferentes grupos étnicos e minorias religiosas, porque está acima dos partidos políticos”. Também ela, “ abençoada pelo afecto de muitos americanos”, garante que se mantém ligada ao povo, “seja por correspondência, e-mail, telefonemas e encontros. Tento ajudar como posso”.
Com azedume, acrescenta: “As consequências [da queda do Xá] foram dramáticas para o Irão e para a região em geral. Muitos deveriam fazer um exame de consciência aos actos que praticaram. O Irão estava a estabelecer centrais de energia atómica, criando uma corrida mundial para lhe venderem equipamento. O mundo tinha confiança na sabedoria do Xá, ao ponto de o Irão deter dez por cento das acções da francesa Eurodif.”
Hoje, prossegue, “o regime sobrevive criando crises e inimigos externos, para reviver sentimentos de nacionalismo. Não se pode admitir que este regime obtenha armas nucleares”. Não faz, porém, qualquer apelo a uma intervenção militar para travar o suspeito programa iraniano de enriquecimento de urânio.
"O actual regime está historicamente condenado a desaparecer”, conclui aquela que foi em tempos considerada a mulher mais poderosa do Médio Oriente. “Espero que o mundo dê o seu apoio aos que amam a liberdade. Estou confiante que a luz vencerá as trevas e que o Irão renascerá das cinzas como a Fénix."