Esperança Bias: "A bacia do Rovuma ainda tem muito para dar"
Esperança Bias, ministra dos Recursos Minerais de Moçambique, tem o encargo de pôr a funcionar uma nova fonte de recursos que até ao final da década exige investimentos superiores ao PIB do país. Militante do “diálogo” e do “envolvimento”, afirma que a sua tarefa só será bem-sucedida se todos os moçambicanos partilharem das riquezas descobertas.
PÚBLICO: Quando lançaram as primeiras concessões de exploração de gás em 2006 havia a expectativa de encontrar tantas reservas como as que comprovadamente existem hoje?
Esperança Bias: Nós tínhamos uma base e foi sobre essa base que lançámos o concurso. A bacia do Rovuma foi alvo de pesquisas no passado, a verdade é que não houve resultados positivos, mas foi com base em alguns dados que se avançou com o concurso. Inicialmente víamos a bacia como um todo, mas depois decidimos dividi-la em blocos. Não tínhamos a noção da quantidade de gás que eventualmente iria sair de lá, mas tínhamos a ideia que havia um potencial em hidrocarbonetos na bacia do Rovuma. Hoje acreditamos que o Rovuma ainda tem muito para dar. Até agora, as reservas descobertas estão no mar, mas neste preciso momento está a decorrer um furo em terra, em Mocímboa da Praia, feito por um consórcio liderado pela Anadarko. Vamos esperar, mas acredito com base naquilo que são os estudos feitos que em terra se possa encontrar alguma coisa.
Como é que definiram este modelo de concessão?
Temos estado a olhar para o que é a prática internacional, principalmente a dos países bem-sucedidos. Temos uma legislação de 2001 e com base na experiência acumulada nestes doze anos estamos a fazer a revisão da legislação e temo-nos socorrido de apoio técnico internacional. O nosso conhecimento em 2000 e em 2014 é completamente diferente. Hoje tempos quadros com capacidade para desenhar contratos, para negociar contratos e fazer a monitorização desta actividade. Acreditamos que qualquer riqueza só tem valor se nós, os moçambicanos, tirarmos proveito e só tiramos proveito se tivermos saber nas diferentes áreas, da geologia, do direito, mas também de áreas básicas, como pedreiros ou canalizadores. Portanto há um programa de formação para responder a uma nova demanda do país.
O Estado moçambicano submeteu-se às regras da Iniciativa Internacional para a Transparência na Indústria Extractiva (ITIE). Já cumpriram todas as exigências desta Iniciativa?
Sim, Moçambique é considerado um país cumpridor desde 2012 e nós continuamos a trabalhar no sentido de sermos membros desta iniciativa, que complementa a legislação que estamos a fazer. Temos produzido regularmente os relatórios, estamos com um desfasamento de dois anos neste capítulo, mas pensamos que em 2015 estaremos a dever apenas o relatório de 2014. Isto para dizer que estamos bem nessa Iniciativa, temos uma boa relação com as empresas e com a sociedade civil, que precisamos de consolidar cada vez mais.
O que é que o Governo tem feito para levar os moçambicanos a acreditar que o gás é um património nacional que, de facto, vai beneficiar toda a gente?
Há um exercício que o Presidente da República tem feito, com sucesso, no sentido de chamar a atenção de todos de que uma coisa é haver uma descoberta e outra coisa é essa descoberta ser monetizada. A valorização dos recursos leva algum tempo e o Governo está a legislar no sentido de não haver negociações marginais, que tudo seja feito em observância à legislação. Os contratos hoje são públicos, toda a gente lhes tem acesso, está tudo na página da internet do Ministério. E temos de continuar a sensibilizar os moçambicanos de que as riquezas só podem ser aproveitadas se houver um ambiente de paz, de concórdia e um espírito de unidade nacional.
Alguns analistas internacionais dizem que o desafio dos recursos naturais em Moçambique é fazer com que o país siga o modelo da Namíbia e evite o caminho da Nigéria ou de Angola. Acredita nessa via?
Eu estou confiante de que é isso que vai acontecer. Por isso eu falei na legislação. É mais fácil de controlar quando temos uma legislação que nos dá os parâmetros. Mas pode dizer, ‘ok, uma coisa é legislar, outra é implementar’. Há um exercício no sentido de formar pessoas que possam garantir a implementação correcta da legislação que nós temos.
O que acha que pode acontecer a uma região pobre e remota como Palma depois de acolher um investimento para a construção de fábricas de liquefacção de gás de 20 mil milhões de euros?
É um desafio muito grande. As nossas atenções estão todas viradas para lá, não apenas as do Ministério dos Recursos Minerais mas também as de todo o governo e do governo da província. Teremos de continuar a trabalhar para que Palma seja o orgulho de todos os moçambicanos.
Houve problemas com o reassentamento das populações que vivem na província de Afungi. Em que ponto está esse processo?
Quando os processos são novos há sempre muita expectativa. Mas posso garantir que esse processo voltou à normalidade. Eu pessoalmente estive em Palma há cerca de um mês, na aldeia do Quitupo, e a situação corre normalmente. Quando não há informação ou há lapsos na informação há muita especulação e há sempre alguns aproveitamentos. Foi um pouco disto que aconteceu inicialmente, mas agora todos perceberam que temos de trabalhar em conjunto porque todos queremos a mesma coisa. Queremos que as comunidades locais sejam as primeiras beneficiárias e, para que isso aconteça, é preciso que seja feito um levantamento. Nós queremos levar todas as pessoas a perceber a importância que Palma tem e que há medidas que vão ter de ser tomadas, mas essas medidas não vão ser tomadas à força. Cada um tem de perceber qual é a sua responsabilidade para garantir que o empreendimento acontece. Houve uma altura em que as pessoas pensaram que iriam ser escorraçadas daquele local, mas não é isso que vai acontecer. Serão indemnizadas e elas próprias terão oportunidade de escolher, o modelo de casa, por exemplo, e terão direito a infra-estruturas que hoje não têm nos locais onde estão a viver. Foi um processo normal, que criou uns certos distúrbios que poderiam ser evitados, criou um desgaste nas populações que deixaram de saber para quem olhar e ouvir, mas agora está tudo a andar.
Como têm sido as vossas relações com a Galp?
A Galp é um parceiro activo, é um parceiro que não está somente a olhar para aquilo que é a sua participação em termos de percentagens no consórcio, mas está a olhar para outras questões que possam acrescentar valor ao gás moçambicano.
Como, por exemplo…
… a formação. A Galp tem estado a contribuir com projectos de formação, o que é bastante bom. Temos a sorte de ter bons parceiros.