Egipto investiga fantoche por incitamento ao terrorismo. Leu bem: fantoche
Caso reflecte “estado de paranóia” que se instalou no Egipto desde o golpe militar do Verão passado.
O autor da queixa é conhecido por se dedicar a desvendar supostas teorias conspirativas e por isso a denúncia não surpreendeu. Surpreendente foi ter sido aberto um inquérito pelo Ministério Público, que convocou os responsáveis da empresa anunciante, a Vodafone, por causa do anúncio protagonizado por Abla Fahita – uma velha bisbilhoteira, que passa a maior parte do tempo ao telefone.
“O nosso director de marketing foi com o nosso advogado ao Ministério Público”, confirmou à AFP Noha Saad, responsável pela comunicação da empresa de telecomunicações.
O caso reflecte, como nota a correspondente do diário espanhol ABC, o “estado de paranóia que se instalou no Egipto” desde o golpe militar do Verão passado, quando o Presidente islamista eleito, Mohamed Morsi, membro da Irmandade Muçulmana, foi afastado pelo Exército.
No anúncio publicitário aparece um cacto ornado com bolas de Natal. O cacto e outros elementos de decoração dissimulariam – no entender do queixoso – códigos secretos destinados a membros da Irmandade Muçulmana, que lhes permitiriam planear atentados. O autor da teoria da conspiração é um controverso activista, Ahmed Zebider, de 25 anos, sendo Zebider uma adaptação de “Spider”, descrito pelo ABC como aspirante a cantor hip-hop.
A queixa aconteceu depois de vários atentados no país, dividido entre islamistas apoiantes de Morsi e os que se lhe opõem. “Zebider”, identificado como fervoroso partidário do antigo ditador Hosni Mubarak, derrubado em 2011, garantiu na televisão privada Tahrir que os quatro ramos do cacto eram um sinal de mobilização dos adeptos de Morsi – uma mão com o polegar fechado e os quatro dedos abertos. Esse símbolo é uma referência à Praça Rabaa al-Adawiya – rabaa significa quatro, em árabe – onde centenas de islamistas foram mortos numa carga violenta do Exército e da polícia, em Agosto do ano passado.
No anúncio, Abla Fahita, presença regular na televisão, e a filha, Karkura, procuram o cartão telefónico do falecido marido e dizem que vão usar cães para o procurarem num centro comercial – no que “Zebider” vê um alvo para um próximo atentado. O queixoso encara a bola de Natal como a representação de uma bomba, enquanto o “peru recheado” de que o fantoche fala seria um código para designar carro-armadilhado. Na quarta-feira, no canal privado CBC, acusou os serviços secretos britânicos de estarem por trás do anúncio e disse, dirigindo-se ao fantoche: “Vou fazer com que te prendam”. Ameaçou deixar o país se isso não acontecesse.
A dimensão que o caso tomou levou a Vodafone a divulgar um comunicado em que diz que a sua publicidade “não contém qualquer mensagem com significação escondida […] e que qualquer outra interpretação releva da pura ficção”.
A própria Abla Fahita ou, melhor dizendo, os seus criadores também reagiram. Na quarta-feira, numa aparição televisiva, a boneca negou que tivesse utilizado o anúncio para transmitir mensagens em código à Irmandade Muçulmana. “Sou uma personagem de comédia”, obrigou-se a dizer, numa entrevista à televisão CBC.
“Por estúpido que seja, é muito relevador”, comentou Ziad Akl, analista político do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos Al-Ahram, citado pelo jornal norte-americano Washington Post. “Diz muito sobre o delírio patriótico em que estamos. Há um nacionalismo fascista que ou se aceita, ou se enfrenta e se é considerado traidor.”