Tribunal egípcio julgou em poucas horas mais 683 islamistas

Entre os acusados está Mohammed Badie, o guia supremo da Irmandade Muçulmana. Processo sumaríssimo um dia depois de 529 acusados terem sido condenados à morte.

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A ONU afirma que a condenação à morte de tantas pessoas “viola a lei humanitária internacional” AFP

O sumaríssimo julgamento aconteceu em Minya, um bastião da Irmandade na região do Alto Egipto, no dia a seguir a 529 acusados no mesmo processo terem sido condenados à morte, depois de apenas duas sessões e sem que os seus advogados tenham sido ouvidos. Uma decisão que a Amnistia Internacional denunciou como “um exemplo grotesco das falhas e da natureza selectiva do sistema judicial egípcio” e que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos disse representar “uma violação da lei humanitária internacional”.

Dos mais de 1200 acusados, só pouco mais de 200 estão atrás das grades – a grande maioria nunca foi detida ou foi libertada antes do início do julgamento. Entre eles está Mohammed Badie, o guia supremo da Irmandade, arguido em vários outros processos pelos quais incorre na pena de morte. Preso no Cairo, o líder islamista não foi levado a tribunal por razões de segurança, justificaram as autoridades.

No banco dos réus sentaram-se nesta terça-feira apenas 60 acusados, que não tiveram oportunidade de responder às acusações – os seus advogados boicotaram a sessão, em protesto contra a total falta de garantias, e o juiz Said Youssef precisou de apenas cinco horas para ouvir as acusações e marcar a leitura da sentença.

À semelhança do grupo condenado segunda-feira, os arguidos respondem por homicídio, incitação à violência e destruição de propriedade. Em causa estão as manifestações na região, em Agosto do ano passado, para denunciar a repressão desencadeada pelas forças de segurança contra os apoiantes de Mohamed Morsi, o primeiro Presidente egípcio eleito democraticamente, derrubado um mês antes pelo Exército. Durante um dos protestos, uma esquadra foi atacada e um chefe da polícia foi morto.

Foi um dos muitos incidentes da convulsão que assolou o Egipto no Verão passado, provocando mais de 1400 mortos, a maioria apoiantes do movimento islamista. Mas as novas autoridades egípcias parecem apostadas em fazer do julgamento em Minya um exemplo – segunda-feira, quando o veredicto era alvo de repúdio geral, um porta-voz do governo interino, sob tutela dos militares, assegurava que as sentenças foram proferidas “após cuidada análise”.

Peritos legais ouvidos pela AFP concordam, no entanto, que é provável que o veredicto seja anulado, tendo em conta que o tribunal não respeitou os mais elementares direitos da defesa. Citando estatísticas das últimas décadas, o jornal egípcio Al-Ahram, refere também que, apesar de o Egipto ser um dos 40 países que ainda não aboliu a pena de morte, são poucas as vezes em que as condenações são executadas – a última conhecida aconteceu em 2011.

Mas o julgamento, o maior das dezenas iniciadas em todo o país contra membros da Irmandade, agora uma “organização terrorista”, está a reacender a tensão no país. Nesta terça-feira houve protestos, dispersados com gás lacrimogéneo e tiros para o ar, em Mynia e em Alexandria. O movimento islamista convocou os seus apoiantes para manifestações no Cairo.

Condenação internacional

Ainda na segunda-feira o Departamento de Estado norte-americano afirmou-se “profundamente preocupado” com a condenação colectiva. “Não é possível que uma análise justa das provas e dos testemunhos, consistente com os padrões internacionais, possa ser feita contra 529 arguidos em apenas duas sessões”, disse um porta-voz da diplomacia americana. Os EUA suspenderam parte da ajuda anual de 1500 milhões de dólares ao Exército egípcio após o golpe militar e a violenta repressão desencadeada contra a Irmandade. Mas várias fontes admitem a sua reposição na íntegra após as eleições presidenciais, nas quais é esperada a vitória do general Abdul Fatah al-Sisi, chefe do Exército e líder do golpe.

Também a chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, pediu às autoridades egípcias que respeitem o direito dos acusados “a um julgamento justo e com a duração adequada”, sublinhando, no entanto, que “a pena capital nunca pode ser justificada”.

Num comunicado divulgado nesta terça-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português diz ter recebido "com a maior preocupação" a notícia das condenações e esperando que "possam vir a ser reconsideradas". Reafirmando o que tem sido a sua posição face à situação no Egipto, a diplomacia portuguesa afirma que "apenas um processo inclusivo com todos os sectores de opinião da sociedade egípcia poderá garantir condições de estabilidade política e crescimento económico".

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