Economista francês Thomas Piketty rejeita Legião de Honra

Autor de O Capital no Século XXI, crítico das políticas económicas de Hollande, diz que não cabe ao Governo decidir quem é "honorável"

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Piketty denunciou recentemente o “nível de improvisação” da política económica de Hollande Fred Dufour/AFP

“Acabei de tomar conhecimento de que fui nomeado para a Legião de Honra. Recuso esta nomeação porque penso que não cabe ao Governo decidir quem é honorável”, afirmou o economista à AFP, dizendo que o executivo “faria bem melhor em se dedicar ao relançamento do crescimento em França e na Europa”.

Em tempos próximo do Partido Socialista francês, Piketty é agora um crítico habitual da política económica de François Hollande, de quem foi apoiante na campanha presidencial de 2012. Criticou-o, entre outras coisas, por ter enterrado a promessa de fazer uma reforma profunda do complexo sistema fiscal francês para melhorar a progressividade aplicada aos rendimentos.

Considerado um dos grandes especialistas em desigualdade, o seu nome consta da lista de nomeados nesta quinta-feira para a Legião de Honra, a par do também economista Jean Tirole, Prémio Nobel no ano passado. “Ninguém me avisou desta nomeação, se não tinha-os dissuadido imediatamente”, justificou Piketty.

O sucesso de O Capital no Século XXI consagrou-o a nível internacional, embora o livro tenha sido recebido em França de forma menos entusiástica. Publicado em Setembro de 2013, traduzido em diversas línguas e com mais de 1,5 milhões de exemplares vendidos, visa demonstrar ao longo das suas 969 páginas a tendência espontânea do capitalismo para uma acumulação cada vez maior da riqueza nas mãos de uns poucos.

As suas explicações para o crescimento das desigualdades teve um eco considerável em países como o Reino Unido ou os EUA. Do outro lado do Atlântico, Piketty foi recebido pelos conselheiros do Presidente Barack Obama e elogiado por Paul Krugman e Joseph Stiglitz, dois Prémios Nobel muito críticos das políticas europeias de austeridade orçamental. Na imprensa britânica, o jornal Guardian descreveu-o como “certamente o intelectual mais influente de 2014” e a Economist qualificou-o como “Marx dos tempos modernos”, ao passo que o Financial Times afirmou que é o autor “do livro de economia do ano”, apesar de noticiado que encontrou vários erros nas fórmulas e nos dados usados pelo economista.

Em França, onde o Capital foi igualmente um sucesso de vendas, torna-se cada vez mais clara a distância entre o economista e a liderança socialista. Em Junho, numa entrevista ao Le Monde, Piketty denunciou o “nível de improvisação” da política económica do executivo, na mesma altura em que o ministro das Finanças ironizava: “É demasiado pesado para mim, e demasiado grosso”, afirmou ao explicar que não tinha ainda lido a obra.

Criado por Napoleão, a Legião de Honra é a distinção máxima atribuída pelo Estado francês, mas a recusa de Piketty em aceitá-la não é inédita. Entre os mais famosos estão os escritores Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus, a actriz Brigitte Bardot ou o abade Pierre, um símbolo da defesa dos sem-abrigo em França que gerou clamor quando em 1992 disse que não aceitava a distinção.

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